Sem impressões digitais nem rastros

Se este artigo de Márcia Denser terminasse na frase: “Até porque, com o perdão dos blogueiros, escritor não dá em árvores.”, seria excelente. Eu lincaria o texto aqui no blog com os dizeres: “não deixem de ler”. E pronto, mais nada.

Mas, logo no parágrafo seguinte, ela diz:

“A boa produção escrita entre 90 e 2000 já foi publicada, os bons escritores e poetas já foram revelados, posso citá-los um a um e dizer o porquê, e esses ainda precisam ser lidos, assimilados, julgados pelo público-leitor, pela academia, pelos críticos, pelos outros escritores e o momento é de consolidar posições, etc.”

E isso, meus amigos, é um grande equívoco. Não sei se foi proposital, mas o trecho acima contradiz uma outra parte do mesmo texto:

“Publicou-se demais só pra aproveitar a maré de sorte e como livro não é pastel, publicaram-se bobagens, irrelevâncias ilegíveis, desnecessárias, tinta sobre o papel, alimento para o esquecimento, porque sequer para entretenimento tais textos se prestam.”

Nisso ela está certíssima. Mas ao dizer que “A boa produção escrita entre 90 e 2000 já foi publicada” Marcia esquece de algumas coisas.

Essa rapaziada que foi publicada “entre 90 e 2000” está chegando nos (perto dos ou passando um pouco dos) 30 anos agora. E, a não ser que você seja um gênio, é terrivelmente difícil, nos nossos dias, escrever qualquer coisa que realmente valha a pena antes dos 25 anos.

Muitos dos que foram publicados “entre 90 e 2000” não estavam maduros, ainda. Não tinham obras literárias de verdade. Eram mais experimentos, que os editores resolveram publicar para aproveitar o boom de novos autores e a onda dos “escritores de internet”.

“A boa produção escrita entre 90 e 2000” deveria estar sendo publicada realmente só agora, quando os autores têm obras mais consistentes e de melhor qualidade, teoricamente, claro. Mas o que vemos hoje é milhares de livros publicados naquela época em saldões, esperando algum desavisado comprar. Inclusive o que sobrou daquelas antologias temáticas.

E quem sai prejudicado nisso? Nem tanto as editoras, porque há os best-sellers para compensar os prejuízos, e porque na época elas conseguiram lucrar algum. Quem mais perde com isso são os próprios autores publicados naquela época, que, por causa da enorme quantidade de livros-porcaria que foram lançados, hoje não conseguem publicar suas obras melhor acabadas e mais maduras. Ou mesmo autores inéditos, que preferiram esperar um pouco mais para enviar seus originais às editoras.

Mais que os citados no parágrafo anterior, os autores da minha geração é que foram prejudicados. Porque agora as editoras, e nisso Márcia Denser está coberta de razão, sempre recebem o original de um autor inédito com a maior cautela do universo. É tanta cautela que devem fazer questão de queimar os originais bem longe da sede, pra não dar na vista. Ou amarrar tudo num saco e jogar num rio. E fazem isso com luvas, na calada da madrugada, pra não deixar impressões digitais nem rastros.

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