Literatura em segundo plano

Foto: Divulgação

A polêmica literária da semana que passou, mas que continuará ecoando nas próximas, vem do Sul do país. O motivo: o altíssimo valor do cachê que o cantor e escritor Gabriel, O Pensador receberá por sua participação na Feira do Livro de Bento Gonçalves, evento do qual é o patrono nesta edição, que acontecerá entre 9 e 20 de maio.

Ao saberem do montante destinado a Gabriel, diversos escritores começaram a se manifestar. Fiquei sabendo do acontecido através do escritor Marcelo Spalding, que, em seu perfil no Facebook, declarou ser convidado pela mesma Feira do Livro em troca de um cachê de R$ 360,00.

Pouco depois, foi a vez de Fabrício Carpinejar protestar. Disse o escritor, em carta aberta à coordenação da Feira, que não irá participar do evento. É sua forma de repudiar o alto valor pago a Pensador. Carpinejar receberia R$ 1.000,00 por sua participação na Feira. A carta aberta pode ser lida na íntegra através do site do jornal Zero Hora.

O jornalista e escritor Juremir Machado também fez seu protesto, em seu blog. Vale a pena ler.

São diversas as críticas à organização do evento. Primeiro, claro, o valor altíssimo a ser pago. Cristóvão Tezza, escritor talentosíssimo, passou praticamente sua vida inteira escrevendo para, somente em 2008, ganhar prêmios literários de valor financeiro respeitável. Segundo, a relevância literária de Gabriel, que não dá para ser patrono de evento literário algum. O terceiro ponto é sua origem carioca, uma crítica que muitos podem achar discriminatória, mas não chega a tanto. A questão é: quantos autores do estado, ou de estados vizinhos, não têm estrada, talento e importância para serem patronos do evento?

Pode ser um fato menor no noticiário do nosso país, mas é algo que merece ser divulgado. Principalmente porque trata-se, até onde se sabe, de dinheiro público. Além disso, é preciso que casos como esses sirvam de exemplo para outros eventos. É inadmissível que um escritor que se diz sério mercenarize a literatura. A literatura, como diz Carpinejar em sua carta aberta, “não deve ser feita para atrair público, e sim para formar público”. Isso deve ser aplicado aos eventos. É óbvio que autores da moda, autores jovens, devem ser convidados para Feiras, Festas e Bienais, mas é preciso tomar muito cuidado com o uso que se faz do dinheiro público. E os autores precisam ter, também, a consciência de que fazem parte de algo muito maior que um simples negócio. Não se trata apenas de ganhar dinheiro, mas de fazer com que as pessoas leiam, se interessem pelos livros. E não há preço que pague isso.

No Sul já se fala até mesmo em boicote à Feira do Livro de Bento Gonçalves. Fica a torcida para que a coisa não chegue a esse ponto, e que tanto a organização reconheça seu erro em aceitar pagar um cachê absurdo como esse quanto Gabriel ou sua produção reconheça que o valor pedido está fora da nossa realidade. Se precisarem de uma dica, aí vai: podem dizer que um zero escorregou e caiu na frente do 7, e que o valor pedido, na verdade, foi de 17 mil reais.

Ainda é um valor alto, mas nesse caso a gente deixar passar.

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