No fim de 2008 enviei um e-mail para o endereço eletrônico que consta no site/blog do escritor José Saramago, falecido hoje aos 87 anos. O motivo da mensagem era a solicitação de autorização para republicar, no Digestivo Cultural, um texto chamado “Uma certa inocência“, no qual ele fala sobre o autor brasileiro (e baiano!) Jorge Amado. Esse texto foi utilizado pela editora Companhia das Letras durante a divulgação das primeiras novas edições dos livros de Jorge.
Tive uma primeira resposta ao e-mail enviado. A pessoa informava que retornaria em breve, confirmando ou não a autorização. Este retorno, na verdade, foi o único. Talvez porque, se não me falha a memória, no fim daquele ano Saramago estava em trânsito, e pouco tempo depois viria a ser internado por problemas respiratórios. Acabei conseguindo a autorização para republicação com a própria Companhia das Letras.
Corta.
Quinta-feira, 17 de junho de 2010. Acordo e vou checar meus e-mails. Na caixa de entrada, uma mensagem do site de Saramago avisando que o diretor espanhol Pedro Almodóvar e o ator também espanhol Javier Bardem participaram de um vídeo feito “para denunciar la impunidad del franquismo”. (A mensagem veio em espanhol.)
Repliquei o link no Twitter e depois fui ao site do Saramago, ver as últimas atualizações. Acabei “descobrindo” que foi publicado recentemente na Espanha um livro seu chamado “Democracia y universidad“, que desde já espero ser editado por aqui. Depois de ler um pequeno trecho de divulgação da obra, pensei, por que não?, em tentar fazer uma pequena entrevista por e-mail com o autor, que seria publicada aqui no blog. A mensagem foi enviada às 11:09 da manhã de ontem.
Ela, hoje, é como uma piada ridícula e sem graça.
***
Li Saramago há alguns anos, em 2004. Lembro claramente de estar deitado no sofá, lendo avidamente “Ensaio sobre a cegueira”, e por causa disso chegar atrasado no trabalho: eu simplesmente não queria parar de lê-lo. Ao terminar de ler o livro, ficou aquela sensação estranha de completude e, ao mesmo tempo, vazio. Por um lado, ali estava mais uma daquelas obras que te fazem enxergar melhor o mundo; por outro, ali estava um romance que simplesmente tira o teu chão durante dias ou semanas. Tive a mesma sensação apenas com alguns poucos livros. Que eu me lembre agora, foram eles “O estrangeiro”, de Albert Camus; “Crime e Castigo”, de Dostoiévski; “O encontro marcado”, de Fernando Sabino; e “O processo”, de Kafka. Eu poderia dizer que são esses quatro romances, mais “O ensaio sobre a cegueira”, os livros de minha vida.
Tentei ler, sem sucesso, “O Evangelho segundo Jesus Cristo” e “Memorial de convento”, mas ainda assim comprei algumas obras do autor: “Ensaio sobre a lucidez” e “As intermitências da morte”. Mais recentemente comprei “O homem duplicado”, “As pequenas memórias” e “O caderno”, sem falar que tenho aqui “O ano de 1993”, livro gentilmente a mim cedido pela Companhia das Letras mas canalhamente não resenhado (ainda; mea culpa, mea maxima culpa). Confesso, não sem alguma vergonha, que nenhuma dessas obras foram lidas, até o momento. Porque alguns leitores têm esse estranho hábito de comprar livros não para serem lidos imediatamente, mas para tê-los por perto. É claro que folheei todos eles e, se os adquiri, foi exatamente por isso. Não lê-los é um mero detalhe – isso para a estirpe de leitores que cultivam o referido estranho hábito. O importante, para esses leitores (quantos serão?), é ter, mais do que os livros, determinados autores por perto.
No momento, estou cercado de Saramago. Há um do meu lado esquerdo, dois do meu lado direito, um à minha frente e três atrás de mim. Ele se foi, mas, ao menos para mim, continua aqui.
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