O pianista no bordel

“Não digam à minha mãe que sou jornalista, prefiro que continue pensando que toco piano num bordel.” Foi deste ditado espanhol que saiu o título de “O pianista no bordel” (Objetiva, 168 págs., R$ 36,90), reunião de dez ensaios do jornalista espanhol Juan Luis Cebrián sobre jornalismo e tudo o que de mais importante se relaciona com ele: política, cultura, economia e, claro, as transformações que a internet vem provocando na área da informação.

Cebrián, nascido em 1944, é de um tempo em que havia um certo romantismo no jornalismo. Em um dos ensaios ele chega a afirmar que “insisto em dizer que considero os anos 1980 – e os últimos de 1970 – como os melhores que vivi no jornalismo espanhol até onde minha memória alcança, por sua capacidade de inovação, pelo respeito social que estimulou, por sua contribuição ao estabelecimento do pluralismo e pela excelência de suas qualidades profissionais. Seguiremos vivendo em grande parte das recordações desse período, porque, para ser sincero, ultimamente as coisas não fizeram senão piorar”. Seus textos mostram que sua formação intelectual foi, no mínimo, ampla, além de muito bem fundamentada. Isso não faz com que o livro seja de difícil leitura, muito pelo contrário. É até surpreendente a forma como ele escreve, tendo em vista a quantidade de conhecimento que possui: os textos não são densos, apesar de fazerem reflexões profundas, e o pedantismo passa longe.

Apesar de o questionamento que vem afligindo os jornalistas nos últimos anos, que é como continuar fazendo jornalismo – e lucrando com isso – num tempo em que quase toda e qualquer informação está disponível gratuitamente na internet, estar presente em quase todos os ensaios, Cebrián não deixa de abordar temas tão – ou mais – importantes quanto. O terrorismo, a ética na prática da profissão, o fazer jornalismo em tempos de repressão e a interferência que têm a informática e a internet nos idiomas das nações estão entre os assuntos discutidos.

Já no primeiro ensaio, Cebrián parte do escândalo de Watergate para listar os princípios básicos que todo jornalista deve seguir. São nove diretrizes retiradas do livro “Os elementos do jornalismo”, de Bill Kovach e Tom Rosenstiel. Ei-las:

“1. A primeira obrigação do jornalismo é a verdade.
2. Sua primeira lealdade é para com os cidadãos.
3. Sua essência é a disciplina da verificação.
4. Seus profissionais devem ser independentes dos fatos e das pessoas sobre os quais informam.
5. Deve servir como um fiscalizador independente do poder.
6. Deve oferecer-se como tribuna para as críticas públicas e para com o compromisso.
7. Deve esforçar-se para fazer do que é importante algo de interessante e oportuno.
8. Deve seguir as notícias de forma ao mesmo tempo exaustiva e proporcional.
9. Seus profissionais devem ter direito a trabalhar conforme lhes dita a consciência.”

Por ser espanhol e por em algumas passagens se referir à história de seu país, acabamos aprendendo um pouco sobre a Espanha. O autor também não perde a oportunidade de, aqui e ali, falar sobre a história do jornalismo. Coisas que parecem fáceis para alguém que fundou um dos maiores e melhores jornais em atividade no mundo, o El País. Além disso, Cebrián é, entre outras coisas, membro do conselho de administração do jornal francês Le Monde, outro veículo que está entre os principais em atividade.

“O pianista no bordel” é um livro fundamental não apenas para aqueles que praticam ou aspiram praticar o jornalismo, mas também para toda e qualquer pessoa interessada em história e em questões relacionadas à imprensa. Principalmente porque Juan Luis Cebrián fala abertamente sobre as transformações pelas quais o jornalismo tem passado pós-internet. É um livro que nos ajuda, nas palavras do autor, “a descobrir como há de ser o jornalismo que nos espera no futuro; como há de ser o jornalismo nos novos tempos do cólera”.

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