Eu versus Salinger

Eu:

A verdade é que se eu escrevesse um romance sobre minha vida, com certeza seria mais rentável. Imagino meus pais indo a público negar diversas histórias, assim como meus irmãos. A imprensa viria até mim saber até que ponto o que escrevi realmente aconteceu. Em diversos jornais meu romance seria destaque nas seções culturais. Isso faria com que as vendas fossem grandes, e meu editor ficasse muito contente. Além disso, eu eliminaria um peso de minha consciência, contando a verdade sobre tudo e sobre todos que sempre me rodearam. É muito provável que isso fizesse com que meus parentes se afastassem por definitivo de mim, e que meu pai morresse de um enfarto. Minha mãe não duraria muito, e morreria pouco depois de desgosto.

J. D. Salinger:

Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa lenga-lenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso. Em primeiro lugar, esse negócio me chateia e, além disso, meus pais teriam um troço se eu contasse qualquer coisa íntima sobre eles. São um bocado sensíveis a esse tipo de coisa, principalmente meu pai. Não é que eles sejam ruins – não é isso que estou dizendo – mas são sensíveis pra burro.

* * *

O trecho escrito por mim faz parte da minha primeira tentativa de romance. O trecho do J. D. Salinger é o início de “O apanhador no campo de centeio“, livro admirado e citado por muitos, mas lido por poucos.

Quando eu li, na livraria onde lancho quase todo santo dia, o início do livro, eu ri. Não que seja engraçado, pois não é. O riso foi de felicidade. Ri porque Salinger disse, de maneira muito melhor e mais clara, o que eu levei uma lauda e meia do Word para dizer. E muito porcamente dito, diga-se de passagem. Mas, ainda assim, eu vi ali alguma proximidade entre o que eu tentei escrever e o que Salinger escreveu. Não tenho palavras para explicar a sensação, mas ela foi muito boa.

Com certa vergonha deixo aqui o link do blog onde postei as primeiras páginas da minha inacabada e frustrada história. Os posts datam do início de 2004, época em que eu sequer sabia da existência de Salinger e seu “The catcher in the rye”. A diferença, agora, é que sei dele, o livro chegou aqui hoje e eu escrevo muito melhor do que escrevia.

Não é lá grande coisa, mas já é alguma coisa.

P.S.: Ah, o romance continuará inacabado. A história até que é boa, mas eu precisaria de muito tempo para escrevê-la. Reescrevê-la, aliás. O negócio do pai economista, o namoro e o fim do namoro do protagonista são apenas algumas das coisas que estão muito mal explicadas.

P.S.2: Passando o olho aqui no fracassado/inacabado romance, vi alguns trechos dignos de citação. Em breve os coloco aqui. Afinal, posso também gostar do que eu mesmo escrevi. Se bem que, a bem dizer, quem escreveu aquele início de história foi o outro que eu era, e não eu, portanto.

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