Vazios literários

Se, anos atrás, quando bem mais jovem, eu estava às voltas com Kafka, Dostoiévski, Olavo Bilac, Álvares de Azevedo, Maupassant, Camus e outros, nos últimos anos tenho estado mais próximo dos autores contemporâneos – a maioria deles vivos.

Mas, entre os clássicos e os contemporâneos, algumas lacunas ficaram vazias. Me refiro, claro, ao caminho de minhas leituras. Os exemplos são vários: se por um lado li Fernando Sabino, Clarice Lispector e Carlos Heitor Cony (este ainda vivíssimo), não li – ao menos da maneira que deveria – Carlos Drummond de Andrade, Erico Verissimo, João Cabral de Melo Neto, e outros tantos.

Há ainda o agravante de ser praticamente ignorante a respeito de determinados escritores que – nunca é tarde, lembrem-se – estou começando a “descobrir”. Daí entram Aníbal Machado, Marques Rebelo, José Cândido de Carvalho, Dyonélio Machado e, com uma maior curiosidade e satisfação, Graciliano Ramos.

É claro que leitores inveterados jamais estarão satisfeitos com a quantidade e a qualidade dos livros que leem. Sempre haverá uma obra-prima não lida ou um autor maravilhoso que permanecerá inédito para os seus olhos. É por isso que, por um lado, devemos fazer bem nossas escolhas; mas, por outro, é importante saber e aceitar que todo leitor – e até mesmo os maiores escritores e críticos – carrega consigo vazios literários.

Como eu dizia, tenho tido uma curiosidade enorme por Graciliano Ramos. Recentemente “descobri” um livro do escritor alagoano com o qual fui presenteado em amigo secreto realizado no trabalho. Chama-se “Linhas tortas” (José Olympio, 2005, R$ 44,90) e é composto por artigos e crônicas do autor. É uma excelente maneira de se começar a ler Graciliano.

Abaixo, como aperitivo, segue um trecho da crônica “Jornais”.

Quem imagina que um escritor é capaz de rebentar caras, meter-se em espalhafatos, nunca viu de perto um desses homens. São as criaturas mais pacatas do mundo. O sujeito que se habitua a compor livros compõe livros – e não passa daí. Diante do papel é tudo: pinta o sete, mata, esfola. Tirem-lhe a pena e o tinteiro – desarmam-no.

Vejam o exercício a que ele se dedica. Senta-se e curva o espinhaço, encosta o nariz à mesa, afasta-se da realidade, move a mão direita. De longe em longe a esquerda se mexe para levar o cigarro à boca. Se se levanta, é para ir à estante olhar um volume.

Pode o menino chorar lá dentro: ele não ouve; podem matar gente ali perto: ele não sabe. Se estiver terminando um período e a apoplexia chegar, certamente a apoplexia esperará até que ele acabe o período.

Olha o mundo naturalmente, mas vive fora dele: para bem dizer está no mundo da lua.

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