“Vivemos numa época em que, é estranho dizer, muitas pessoas cultas acham que a verdade não merece nenhum respeito especial. Sabe-se, naturalmente, que uma atitude desdenhosa em relação à verdade é mais ou menos endêmica nos círculos dos publicitários e dos políticos, raças cujos espécimes tipicamente se regalam com a criação de bobagens, mentiras, e de qualquer outro tipo de fraude e embuste que são capazes de imaginar. Isso não é nenhuma novidade, estamos acostumados.
Mas, recentemente, uma versão parecida – ou melhor, uma versão mais extrema – dessa atitude andou se generalizando de maneira preocupante mesmo dentro daquela cateogoria de pessoas que podiam ter sido ingenuamente consideradas mais confiáveis. Muitos céticos e cínicos despudorados quanto à importância da verdade (ou quanto à importância correlata das críticas ao plágio, estabelecidas desde longa data) têm aparecido entre os autores de maior vendagem e ganhadores de prêmios, entre articulistas de jornais importantes, entre os círculos até então respeitados de historiadores, biógrafos, memorialistas, teóricos da literatura, romancistas – e até entre filósofos, dos quais, mais que todos, seria de esperar outra coisa.”
Trecho do pertinente livro “Sobre a verdade“, do filósofo americano Harry G. Frankfurt.
Porque muita gente esquece que a verdade é uma só, não há várias verdades sobre um mesmo assunto (há várias opiniões sobre um mesmo assunto, o que é muito diferente). E, o que é pior, muita gente acha que pode construir a sua própria verdade (essa gente, quando muito, consegue expressar uma opinião sobre determinada coisa, nada mais que isso).
Darei um exemplo prático e simples, mas sem ser específico demais: dois sujeitos lêem um mesmo livro. Um acha que é bom, o outro acha que é ruim. Até aí tudo bem. Mas o sujeito que achou o livro ruim, inventa defeitos para o livro. Na verdade, o livro é bom, mas o sujeito não gostou tanto dele e, por motivos pessoais, transformou as qualidades do livro em defeitos (ou, pior ainda: ele pode inventar os defeitos). Acontece que um livro, quando é bom, tem determinadas qualidades que são notáveis e não têm como ser escondidas. Ou seja: se um sujeito manipula as qualidades de um livro, transformando-as em pontos negativos (ou inventa defeitos para a obra), ele não está dizendo a verdade. Ele está construindo o que pensa ser a sua própria verdade.
Mas a verdade, como diz o professor Harry, não depende de um indivíduo e sua teoria. Depende também de como o indivíduo construiu sua teoria. Se ele a elaborou tomando como base preceitos incorretos, sua teoria não pode – teorica e logicamente – ser verdadeira, correta. Para expressar a verdade, é necessário basear-se em informações verdadeiras. No caso do livro, nas qualidades dele. Se ele tem mais qualidades que defeitos, não pode ser classificado como “ruim”. E qualidades e virtudes não são uma questão de gosto ou opinião. Integridade é defeito ou qualidade? Quem é o imbecil que vai dizer que integridade é defeito? “Ah, é relativo”, diz alguém. Relativo é o ca…ramba.
Acho que misturei um pouco as coisas, mas o raciocínio é mais ou menos esse aí. Não é esse, porque um pouco confuso. Mas é por aí.
P.S.: Já falei sobre isso aqui no blog e em uma coluna no Digestivo. Me restringindo à Literatura, o trecho a seguir, retirado da minha coluna, resume a minha opinião (que acredito se aproximar bastante da verdade, no mínimo; adaptei o trecho, trocando “crítico” por “indivíduo”): “Todo crítico [indivíduo] tem o direito de gostar ou não de determinado livro, mas ele não tem o direito de falar mal de uma boa obra apenas pelo fato de não ter gostado dela. Se o crítico [indivíduo] não souber distinguir o que é bom e o que é ruim e separar isso da questão ‘gosto’, ele está perdido. Nem deveria fazer crítica [abrir a boca], aliás.”
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