Retrato do artista quando velho

O que pode ser pior, para um escritor, do que não ter uma boa idéia sequer para escrever?

Se perguntarmos isso a Eugene Pota, protagonista de “Retrato do artista quando velho” (CosacNaify, 320 págs.), romance do escritor norte-americano Joseph Heller, ele dirá que não há nada pior que isso. Ainda mais quando se tem consciência de que o fim de sua vida se aproxima.

“O artesão que vive muito, especialmente o escritor de romances e peças teatrais, pode chegar a uma fase de sua vida em que sinta não ter nada de novo para escrever mas deseja, de qualquer forma, continuar.”. É este o caso de Eugene Pota.

Com 74 anos e uma carreira literária de sucesso, o velho romancista vive o tormento de não conseguir escrever. As idéias surgem, mas sempre esbarram em um clichê ou em um romance já escrito. Ou ainda em uma execução mal feita. Leia-se: páginas a serem jogadas no lixo.

Último romance escrito por Joseph Heller, que faleceu em 1999, “Retrato do artista quando velho” foi publicado postumamente, em 2000. Essa informação nos leva a pensar que a arte realmente imita a vida, já que para Eugene Pota ele só teria tempo para publicar mais um romance. Seria sua última obra. Depois dela, a morte. Pota tem certeza disso.

Mas abandonemos o terreno das hipóteses e voltemos nossas atenções para a obra em si. O romance não apenas narra o declínio criativo de Eugene Pota. Ele também nos mostra isso, através de rascunhos do velho escritor, ideias que têm um início, mas são descartadas depois de algumas páginas.

“Retrato do artista quando velho” é um daqueles romances que, de tão cativantes, nos fazem esquecer do tempo. É também um livro altamente recomendado a novos ou velhos escritores que estejam sem inspiração para escrever. Eles podem aproveitar algumas das ideias de Pota.

Como o romance que ele começa a escrever, que tem como personagem Tom Sawyer em pessoa, um rapaz que, depois de inspirar Mark Twain a escrever uma de suas melhores obras, decide ser escritor. E inicia uma série de viagens pelos Estados Unidos, a fim de encontrar o próprio Twain, ou Jack London, ou Joseph Conrad, ou algum outro escritor famoso, para que eles lhes ensinem todos os segredos da arte da ficção. Ou então “Uma biografia sexual de minha mulher”, livro que tem como inspiração a seguinte declaração atribuída a uma certa duquesa de Marlborough: “Na noite passada meu senhor voltou das guerras e me fez gozar duas vezes sem tirar as botas”.

Chegando ao fim do livro, Joseph Heller, através de Eugene Pota, faz uma palestra sobre “A literatura do desespero”, na qual ele conta como foi a vida de alguns grandes escritores. Sobre F. Scott Fitzgerald, Charles Dickens e Henry James, ele diz: “Três escritores, três homens infelizes.” E prossegue, citando Joseph Conrad, Edgar Alan Poe, John Cheever, Herman Melville, Jack London, entre outros.

A impressão que se tem ao ler “Retrato do artista quando velho”, é a de que Joseph Heller foi (e continua sendo, por que não?) um autor inquieto e, assim como Eugene Pota, não quer, jamais, cair em um lugar-comum, cair na mesmice.

No fim das contas, Pota e Heller escrevem, juntos, a última obra de suas carreiras. Porque ambos são um só.

This entry was posted in Resenhas. Bookmark the permalink. Post a comment or leave a trackback: Trackback URL.

Post a Comment

Your email is never published nor shared. Required fields are marked *

You may use these HTML tags and attributes <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>

*
*