* O Digestivo está com alguns problemas técnicos. Como deve voltar ao normal só segunda ou terça, deixo aqui minha resenha que foi publicada ontem lá.
Enquanto um sem número de aspirantes a escritor com vinte e poucos anos não vêem a hora de terem seus primeiros contos, poesias ou romances publicados em livro e até pagam do próprio bolso edições independentes que acabam servindo de presente para amigos e parentes (que jamais lerão o livro, infelizmente – ou felizmente, em alguns casos), há escritores – e, não, aspirantes – que preferem esperar, amadurecer e aprimorar sua escrita para só então publicar.
Não que não existam bons autores jovens. Mas eles são cada vez mais raros. Há algumas décadas era quase comum escritores de vinte e poucos anos escreverem obras-primas. Era um outro tempo, se melhor ou pior que hoje não cabe aqui a discussão, mas é notório que antigamente os jovens não eram tão jovens.
Por isso, quando encontramos autores como Humberto Werneck, que tem, há décadas, um original guardado (e só recentemente publicado, em tiragem limitadíssima); ou Diter Stein, que passou mais de uma década tentando publicar e reescrevendo seu livro; ou Mayrant Gallo, que passa anos e anos à procura do verso perfeito para seus poemas ou do desfecho perfeito para os seus contos, é necessário festejar. A vez, agora, é de festejar Marcelo Barbão e sua novela Acaricia meu sonho (Amauta Brasileira, 2007, 98 págs.), que vem a ser seu primeiro livro.
Barbão, como é mais conhecido e como assinou o livro, esperou um bom tempo para publicar sua primeira obra. Mesmo já a tendo pronta há algum tempo. O motivo? Sinceramente, não sei, não lhe fiz essa pergunta. Ou, se fiz, já não me lembro a resposta. O que sei é que essa “demora” foi boa, pois percebe-se que, em Acaricia meu sonho, Barbão tem pleno domínio sobre sua ficção, e, não, o contrário.
A história: uma mulher retorna, depois de alguns anos, à cidade onde conheceu o grande amor de sua vida, quarenta anos antes. Através das referências, logo descobrimos que a cidade é Buenos Aires. E talvez não pudesse ser outra, se não ela. O frio do outono e a inevitável associação da cidade a Borges, Casares e Cortázar (mesmo que este último não tenha nascido lá) dão à novela um clima de fantasia, no sentido do gênero literário.
E é nesse clima de fantasia que acompanhamos essa mulher, cujo nome não sabemos, em sua jornada solitária pelas ruas de Buenos Aires e por suas memórias, em busca de alguma notícia de seu amado, cujo nome também não é revelado. Sabe-se, apenas, que foi um grande escritor e tradutor, e que, depois de alguns meses vivendo com a protagonista e narradora da novela, vai para a França. Ela sabe, em seu íntimo, que jamais o verá novamente, mas precisa fazer essa espécie de via-crúcis, como se somente depois de tentar encontrá-lo uma última vez, mesmo sabendo que isso não acontecerá, ela pudesse se libertar da ausência de sua presença (ou da presença de sua ausência, como o leitor preferir).
Dividida em capítulos curtos, todos eles tendo como títulos nomes de canções argentinas, a narrativa da novela é, me perdoem o clichê, ágil e fluente, mas também delicada e inebriante. É clichê, mais um, mas o ritmo de Acaricia meu sonho pode ser comparado ao de um bom tango argentino.
Em determinados momentos, fatos se misturam a lembranças e devaneios. Há trechos, inclusive, nos quais podemos ficar em dúvida se o que a narradora diz está mesmo acontecendo ou se não passa de um sonho da protagonista. E acredito ser este o ponto alto de Acaricia meu sonho: mesmo que ela narrasse apenas “fatos reais”, realmente “acontecidos” (entre aspas porque estamos falando de uma ficção), haveria mais de uma maneira de interpretar a novela. Mas, ao criar uma atmosfera fantástica (ou, se o leitor preferir, já que foram citados três dos pilares da literatura argentina, uma atmosfera “realista-fantástica”), Barbão dá à sua novela várias outras possibilidades de interpretação. Isso transforma Acaricia meu sonho em uma espécie de livro-labirinto, do qual até se pode descobrir a saída, mas é interessante retornar e tentar sair por outros caminhos.
Além de escrever um belo livro, Barbão faz, em sua novela, uma homenagem a um autor argentino (o leitor mais familiarizado com a literatura dos hermanos certamente descobrirá que autor é esse) e, assim, uma ode à literatura.
Antes de terminar este texto, me sinto na obrigação de dizer aos leitores que sou amigo de Marcelo Barbão. Hoje, quando um resenhista elogia um autor brasileiro, sempre aparece alguém pra dizer “ah, o cara deve ser amigo dele”, tamanha é a fama da troca de favores que de vez em quando é feita no “meio literário” tupiniquim.
Então, para sair na frente dos pobres diabos que poderiam tentar demolir minha resenha, dizendo que elogiei Barbão pelo simples fato de ele ser meu amigo, afirmo que, sim, ele é meu amigo, e que não, não o elogio por causa disso. Os elogios são mais que merecidos, única e exclusivamente pela obra.
Peço desculpas aos leitores conscientes e de bom senso, que jamais pensariam tal absurdo não apenas de minha pessoa, mas de outros resenhistas e críticos literários que fazem seu trabalho de maneira ética e correta. Mas, infelizmente, existem aqueles que adoram criar um mal-estar, lançar no ar suspeitas bobas e infundadas. Como diz um ditado, o justo paga pelo pecador. E este recado meu é uma grande prova disso.
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