O texto abaixo, de Humberto Werneck, foi reproduzido pelo Artilharia Cultural, que merece aplausos pela reprodução. O texto é muito bom. Se foram eles que descobriram sua existência, os aplausos devem ser feitos de pé.
“Tomá-la como coisa viva, pulsante, não como vogais e consoantes sobre a folha de papel, tomá-la como vocais, soantes, não como pobre envoltório de informações cerebrais. Tomá-la nos olhos, na boca, nos ouvidos, na pele dos dedos e do corpo, para sentir antes de compreender. Considerá-la como fim, bem mais do que meio, como destino bem mais do que veículo. E, gostosa brincadeira, repeti-la, repeti-la à exaustão, até que à força da repetição o significado se esvaia, se desprenda, como a ostra de sua concha, e em seguida pescar, no aquário das sonoridades, do desenho que fazem, juntas, aquelas vogais e consoantes, uma nova ostra para aquela concha. Mais justa, exata e palatável que a primeira, certamente, a deslizar na língua em todos os sentidos. Quem sabe, trocar os habitantes de diversas conchas para que eles, em casa nova, se carreguem de energia como bateria a que se dá um novo sopro. Onde isso ou aquilo ficará melhor? Despir conteúdos cansados de seus invólucros, buscar para eles a vestimenta mais precisa na gôndola dos magazines verbais, no mar das palavras em situação dicionária (obrigado, poeta), e provar, prover, provocar, esgotar as mil possibilidades desse espelho em que se ajusta o foco da perfeição. Em nome do prazer, ignorar categorias – gramaticais, ortográficas, sintáticas, sexuais. Depois de inventariar as prateleiras, inventar, haute couture onde não há prêt-à-porter, onde não há o artigo, o substantivo, o adjetivo. Como quem descobre o som de uma temperatura, o tempero da temperatura na boca sorvendo o líquido não suficientemente frio: a cerveja meio quente não está morna, está môrna. Como os japoneses em São Paulo, tomar liberdades. Em todos os sentidos. Em todos os cinco, de preferência.”