Nelson Rodrigues e Armando Nogueira, talvez os dois maiores cronistas esportivos que o Brasil já teve, viram muitos dos lances mais brilhantes do futebol. Armando muito provavelmente teve a oportunidade de ver, ao vivo e in loco, Maradona fazer, na Copa de 1986, um de seus gols mais famosos, aquele de mão, em cima da Inglaterra (Nelson deve ter visto a ação em todos os ângulos possíveis, lá de seu camarote celestial). Depois do jogo, Maradona declarou – ironicamente, claro – que, no lance, “se houve mão na bola, foi a mão de Deus”. É por isso que muitos de nós utilizamos (sic) a expressão “a mão de Deus” ao falar do craque argentino, hoje treinador da seleção de seu país.
No jogo de ontem entre Brasil e Costa do Marfim, que nossa seleção venceu por 3 a 1, o atacante brasileiro Luis Fabiano fez dois gols. Em um deles, o segundo, usou primeiro a mão – involuntariamente – e depois o braço – intencionalmente. Como se não bastasse isso, ainda teve tempo de dar dois lençóis nos adversários que tentavam marcá-lo.
O árbitro da partida fez que não viu. Como anular um gol desses? Porque, não obstante o braço na bola – ou bola no braço -, foi um golaço. E, a bem da verdade, não foi lá uma irregularidade tão ostensiva. Não se compara, por exemplo, com o gol de Maradona em 86. Mas, ao ser perguntado sobre a jogada, Luis Fabiano não se furtou de fazer uma quase homenagem ao argentino, e disse que “Foi uma mão involuntária, mão santa, a mão de Deus”, em entrevista à TV Globo.
No entanto, o fato mais curioso veio logo depois do gol: o juiz chega a perguntar ao atacante se ele utilizou o braço para dominar a bola. Luis Fabiano, é claro, diz que não. Depois disso, o árbitro abre um sorriso, mas não um sorriso irônico, desdenhoso. O sorriso do juiz foi como o de um pai que ouve do filhinho um “não” como resposta à pergunta “você tomou sorvete de novo?”, mesmo estando o garoto com o canto da boca sujo de chocolate.
Lá de cima, Nelson e Armando certamente riram com o árbitro e escreveram duas crônicas maravilhosas sobre o assunto, que infelizmente nunca vamos ler.
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Mini-pitacos:
1- A seleção brasileira jogou bem melhor do que na estreia, contra a Coreia do Norte. Ainda não é o bastante para levar a Copa, mas houve um grande avanço. Algumas modificações deveriam ser tentadas, na minha opinião, como a saída de Michel Bastos, além da substituição de Felipe Melo. Elano, que eu sempre critiquei, vem se mostrando decisivo – no primeiro jogo deu passe para um gol e fez outro, e ontem fez também um gol -, mas precisa errar menos passes.
2- Na entrevista coletiva depois do jogo, Dunga perdeu o controle e dirigiu xingamentos a um dos jornalistas presentes. Esse foi o ápice de uma rusga entre o técnico da seleção e a imprensa, que vem sendo cultivada não desde que ele assumiu o cargo de treinador, mas sim desde a Copa de 1990, quando o Brasil foi eliminado nas oitavas-de-final justamente pela Argentina, nossa maior rival. Aquele período da seleção ficou conhecido como “Era Dunga”, termo sacramentado pela… imprensa. Em 1994 a seleção foi alvo de severas críticas tanto por parte dos torcedores quanto por parte dos jornalistas, mas mesmo assim o time treinado por Carlos Alberto Parreira, que tinha Dunga como capitão, levantou a taça do tetracampeonato. O hoje técnico da seleção participou ainda da Copa de 1998 e também foi capitão daquele time, que perdeu a final para a França de Zidane.
É certo que Dunga foi errado ao proferir palavras de baixo calão diante dos microfones. Mas é também certo que tudo tem limite e Jó, aquele da Bíblia, foi um só. Dunga foi crucificado em 1990, deu a volta por cima em 1994 mas continuou sendo contestado e, ao assumir a seleção, foi também criticado, e continua sendo até hoje. Não é fácil lidar com tanta insatisfação por parte da opinião pública, uma hora a bomba teria que estourar. Eu sinceramente pensava que ele aguentaria até o fim da Copa, mas infelizmente isso não aconteceu. Apesar de compreendê-lo, espero que ele reconheça o erro e esfrie os ânimos.
Quanto aos jornalistas que, para variar, o estão mais uma vez crucificando, vale lembrar que Felipão, técnico da seleção na Copa de 2002, era também rude e irônico com a imprensa. Hoje, depois de ter conquistado o pentacampeonato, Felipão é tratado com a maior boa vontade do mundo por aqueles que, na época, o contestavam. Longe de se falar em censura ou criticar o trabalho da imprensa, jornalistas às vezes parecem esquecer que há limites a serem respeitados. Dunga foi ridicularizado várias vezes, tanto por suas convocações, quanto por algumas escolhas relacionadas às suas vestimentas. Estas últimas, é bom lembrar, escolhas pessoais. É no mínimo ingênuo – e eu me controlo para não dizer ridículo – pensar que críticas assim ficariam sem respostas. Nunca ficaram, não é agora que iriam ficar. Como diz o ditado, quem entra na chuva, tem que se molhar. O erro de quem critica é pensar que os pingos caem apenas nos criticados…
3- Kaká foi outro que ficou nervoso demais, mas com as faltas duras cometidas pelos jogadores da Costa do Marfim. Acabou expulso em um lance infantil e sem bola em jogo, mas não teve culpa: o jogador marfinense trombou com ele de propósito e fez uma cena digna de Oscar. Como o brasileiro havia levado um cartão amarelo antes, deu no que deu: outro amarelo, que resultou no vermelho. Dunga poderia tê-lo sacado quando do primeiro cartão ou mesmo quando Kaká começou a reclamar demais, é verdade, mas talvez tenha sido melhor assim. Vai que, contra Portugal, ele levasse o segundo amarelo? Ficaria fora das oitavas-de-final, o que seria um grande desfalque para o Brasil. No fim das contas, acho que saímos no lucro.
4- Elano, como disse acima, vem se mostrando fundamental e decisivo. Sofreu uma entrada desleal logo depois de marcar o terceiro gol brasileiro e foi para o vestiário sem conseguir sequer pisar com a perna direita. Felizmente, parece não ter sido nada grave e ele deve jogar sexta-feira. Mas este tópico é só para dizer que o jogador colocou o nome das filhas nas caneleiras que usa. Ele as tirou – as caneleiras, não as filhas – na comemoração do gol e mostrou para a câmera. Um ato singelo e muito bonito.
5- Para finalizar, vou utilizar um bordão do querido @janiorego: eu confio no Dunga!
* Crédito da imagem: Agência EFE.
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