Dos últimos livros de Rubem Fonseca, me recusei a ler “Ela e outras mulheres” inteiro, por conta de até meus contos serem melhores que os publicados nele (não, isso não é grande coisa), e sequer comprei “O romance morreu”, depois de folheá-lo na livraria e ler uns dois ou três absurdos intragáveis. Dele eu tinha lido, há vários e vários anos, alguns contos, e, um pouco depois, “Diário de um fescenino”, romance que me agradou bastante, se bem me lembro.
Mas nunca fui e não sou fã de Rubem Fonseca. Talvez porque não tivera o devido contato com suas obras mais “antigas”, elogiadíssimas por muita gente. Tenho por ele bastante respeito e admiração, mas dizer que gosto de seus livros ou que sou seu leitor, não digo, porque estaria mentindo.
Acontece que fui obrigado a acompanhar todo aquele barulho em torno de sua saída da Companhia das Letras e a disputa entre as editoras por suas obras. Como se sabe – e, se você não sabia, fica sabendo agora -, o grupo Ediouro, através da editora Agir, agora é detentora do catálogo de Rubem Fonseca, e está reeditando todos os seus livros anteriormente publicados, além de editar os eventuais inéditos que o autor carioca nascido em Minas Gerais vier a escrever.
O primeiro inédito é um romance, “O Seminarista“, que li nos últimos dias. A história não se passa num seminário e nada tem de religiosa. O protagonista é um assassino profissional e o livro leva esse título porque o pistoleiro passou alguns anos num seminário.
Confesso que não li o romance com a atenção que dispensaria a uma obra de Dostoiévski, por exemplo. Ou com o cuidado de quem vai resenhar o livro. Não fiz anotações a respeito da obra e só marquei, com post-its, algumas páginas já no final do romance, para destacar o ridículo delas, se necessário.
Sim, o ridículo delas. Porque “O Seminarista” não é um grande livro. É um romancezinho mais ou menos, divertido de ler, mas com muita coisa que poderia ser melhorada ou mesmo eliminada. Há alguns diálogos que são improváveis – para não dizer impossíveis; mas como eu não acredito no impossível… -, há algumas cenas completamente descartáveis – como uma descrição de receita de bacalhau -, e há trechos de uma breguice constrangedora, quando o assassino inventa de falar sobre sua amada Kirsten, mulher que conhece depois de se “aposentar”.
Ah, sim, esqueci de fazer um resumo do romance: o Especialista, codinome do protagonista, começa descrevendo alguns assassinatos que cometeu – nas primeiras páginas, bem divertidas, aliás -, e depois comunica ao Despachante – personagem que lhe informa quem será morto e faz o pagamento do serviço – que irá se aposentar.
O livro começa assim:
“Sou conhecido como o Especialista, contratado para serviços específicos. O Despachante diz quem é o freguês, me dá as coordenadas e eu faço o serviço. Antes de entrar no que interessa – Kirsten, Ziff, D.S., Sangue de Boi – eu vou contar como foram alguns dos meus serviços.”
Simples, direto, sem meias palavras. E assim é todo o livro, excetuando-se os deslizes já mencionados parágrafos acima – as citações em latim que o protagonista dispara por todo o romance, das quais muita gente por aí reclamou, até que não são enfadonhas.
O Especialista resolve se aposentar e, pouco depois de fazê-lo, conhece Kirsten, por quem se apaixona. Depois de um curto período de tranquilidade, problemas começam a surgir. O Despachante envia uma mulher para matá-lo e, a partir daí, seu mundo começa a ruir. Ele precisa, além de voltar a matar pessoas – desta vez sem receber nada por isso -, a começar pela tal assassina e pelo próprio Despachante, fazer as vezes de investigador, para descobrir quem está tramando contra ele.
Essa investigação toda é que prende o leitor ao romance. Alguns detalhes, como o fato de o Despachante reaparecer vivo, não acrescentam nada ao livro, e poderiam ser facilmente jogados no lixo. Mas a verdade é que, nem mesmo as pedras que Rubem Fonseca coloca ao longo do romance fazem o leitor abandonar “O Seminarista”. Porque o protagonista é tão desbocado e tão divertido que vamos ignorando os deslizes do autor e seguimos lendo, até porque, com o passar das páginas, a curiosidade para saber o fim da história vai aumentando.
É uma pena que, somente a algumas páginas do final, aconteça algo que chega a deixar o leitor boquiaberto, com o coração aos pulos. Se o ocorrido tivesse acontecido no meio do romance, por exemplo, e a investigação do Especialista se intensificasse a partir daí, talvez o livro fosse bem melhor.
Mas enfim. No fim das contas, “O Seminarista” não é um livro ruim. É um romance razoável, divertido, com algumas passagens ruins. Além disso, para mim foi uma leitura bastante útil: serviu para arejar a mente depois de uma série de leituras densas e exigentes. E também para retomar o contato com a obra de Fonseca. É muito provável que agora, com as reedições de seus livros pela Agir, eu passe a lê-lo mais e melhor. Só espero não me decepcionar.
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