Em um ensaio na revista Trópico, a professora Paula Sibilia aborda um tema que volta e meia é discutido: parece (o “parece” é bondade minha) que hoje as pessoas têm mais interesse em saber mais sobre a vida dos artistas do que conhecer a obra deles.
No caso da literatura, tem mais gente querendo saber como o escritor escreveu um livro, se as histórias narradas são reais, com quem ele é casado, se ele é gay ou não do que realmente ler a obra do autor, independente de quem ele seja.
O escritor não pode mais ser um cara pacato, tranquilo, normal, divertido e brincalhão. Não. Ele tem que ser um cara que não gosta de aparecer em público, tem que ter matado a mãe, tem que ser ladrão ou prostituta.
Quem também falou sobre isso foi o Sérgio Rodrigues, na época do caso JT LeRoy.
Volta e meia penso sobre o assunto. Mas não chego a conclusão nenhuma. Geralmente, um escritor que vende muito por causa de uma vida atribulada não é lá um bom autor. E, se for, pode ter a sua obra prejudicada pela repercussão de sua vida pessoal. A obra pode ser colocada em segundo plano. Não é raro isso acontecer.
Mas também se o cara for quietinho demais, pode ser que jamais consiga chegar a lugar algum. O Thiago e eu, quando falamos em um escritor que não vou citar aqui, brincamos dizendo que, nas palestras que dá, ele sobe na mesa, pula, dá cambalhotas e, no final, baixa as calças. Um showman, digamos assim.
É óbvio que é interessante ler biografias de escritores. Mas quando uma sociedade se interessa mais pela vida pessoal do artista do que pelo trabalho dele, há algo de errado.
P.S.: Depois de colocar o título no post, lembrei de uma maluquice que Terry Eagleton, um dos mais respeitados teóricos em literatura, diz em seu “Teoria da Literatura: Uma introdução”. Eagleton afirma que, mesmo Tolstói não existindo, alguém escreveria “Guerra e Paz”. Não concordei com isso na época que li e continuo não concordando. Quem escreveria “O encontro marcado” se não Fernando Sabino? Quem escreveria “Juventude” se não J.M. Coetzee? Quem escreveria “Trópico de Câncer” se não Henry Miller? Eu? Pra vocês verem que até os bam-bam-bams falam bobagem de vez em quando.
O que quero dizer com isso: não se pode desvencilhar, nesse caso (criação), a obra do artista. Mas, uma vez escrita a obra, não se deve colocar o artista acima dela. O artista é homem, é passageiro, nasce e morre. A obra, não. A obra, se de valor, resiste por séculos e séculos. Eu lá quero saber quem diabos foi Tolstói? Quero ler “Guerra e paz”. Não me interesso pela vida pessoal de J.M. Coetzee, nem quero saber se ele realmente engravidou uma garota quando jovem e ela fez um aborto (cena do autobiográfico “Juventude”). Quero ler a sua obra. Enfim, acho que já falei demais.
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