“Qualquer jornalista que não seja demasiado obtuso ou cheio de si para perceber o que está acontecendo sabe que o que ele faz é moralmente indefensável. Ele é uma espécie de confidente, que se nutre da vaidade, da ignorância ou da solidão das pessoas. Tal como a viúva confiante, que acorda um belo dia e descobre que aquele rapaz encantador e todas as suas economias sumiram, o indivíduo que consente em ser tema de um escrito não ficcional aprende – quando o artigo ou livro aparece – a sua própria dura lição. Os jornalistas justificam a própria traição de várias maneiras, de acordo com o temperamento de cada um. Os mais pomposos falam de liberdade de expressão e do ‘direito do público a saber’; os menos talentosos falam sobre a Arte; os mais decentes murmuram algo sobre ganhar a vida.”
É assim que começa o livro “O jornalista e o assassino”, da jornalista tcheca, radicada nos Estados Unidos desde garotinha – e, portanto, acho que o termo “norte-americana” se encaixa melhor – Janet Malcolm. A obra foi publicada no Brasil pela primeira vez em 1990, e recentemente foi reeditada em formato de bolso pela Companhia das Letras.
Inclusive, um aspecto interessante e louvável desta nova edição é a capa e a quarta capa. Com fotos dos “personagens” envolvidos e sem as costumeiras emulações de pinturas, cores “acesas” e desenhos, o projeto gráfico difere de todos os outros livros do Companhia de Bolso, selo da editora destinado a livros pockets.
Neste “O jornalista e o assassino”, que comecei a ler e que me conquistou de imediato, a autora parte de uma situação causada por um livro reportagem para discutir os valores éticos dentro do jornalismo. A situação: um jornalista chamado Joe McGinniss escreveu um livro sobre o médico Jeffrey MacDonald, condenado pelo assassinado da esposa e de suas duas filhas. Após a publicação da obra, MacDonald processou McGinniss, pelo fato de o jornalista ter fingido acreditar na inocência do acusado para conseguir as informações para o livro – “Fatal vision”, em inglês” – que foi, como se pode deduzir, desfavorável a MacDonald.
A discussão trazida por Malcolm pode ultrapassar as barreiras do jornalismo e vir aportar em nosso dia a dia. Afinal, quantas pessoas não se aproximam de outras para, mais adiante, causar-lhes infortúnios? Quantas pessoas não falam mal, pelas costas, de pessoas que a têm como amigas? Quantas pessoas não se tornam amigas de outras apenas para conseguir informações valiosas e utilizá-las em proveito próprio?
Por esses motivos, e por outros que ainda vou descobrir, ao prosseguir a leitura, e pela prosa ao mesmo tempo simples e refinada de Janet Malcolm – em tradução exemplar de Tomás Rosa Bueno -, recomendo veementemente a leitura de “O jornalista e o assassino”, mesmo ainda não tendo terminado sua leitura.
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