Música perdida

Romance de formação, “Música perdida“, do escritor gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil, conta a história do Maestro Joaquim José de Mendanha. Natural da pequena Itabira do Campo, nas Minas Gerais, Joaquim José nasceu nos braços da música, ou, sem querer fazer trocadilho, mas já fazendo, nos braços de um músico, pois seu pai foi mestre de uma Lira (orquestra de amadores). Ainda criança, Joaquim apresenta aquilo que chamam de “ouvido absoluto”: “uma injustiça: só uma pessoa entre dez mil o possui. Wagner e Schumann nunca o tiveram”, diz o narrador. Daí a dominar vários instrumentos é só uma questão de tempo, para o pequeno Joaquim.

Quando adentra a juventude, Joaquim José é enviado para Vila Rica, a fim de estudar composição. “Vá – disse-lhe o pai. – Aprenda o que for necessário para compor para a Lira e volte logo.” Suas despesas são custeadas em parte com o dinheiro do Bispo de Mariana, conhecido do pai de Joaquim, que faz questão de ajudar. O jovem músico começa a tomar aulas com um organista de igreja mas, pouco tempo depois, fica enjoado das formalidades que lhe impõem. Não quer revelar que possui o ouvido absoluto, e esforça-se para mostrar-se um aluno mediano. Aprende, é verdade, mas pouco, para quem tem um dom extraordinário. Alguns dias após a chegada em Vila Rica, conhece seu primeiro verdadeiro mestre, Bento Arruda Bulcão, que o ensina a improvisar músicas e lhe dá importantes lições de composição. Algum tempo depois, vai morar com Bento Arruda, que ensina tudo o que pode, não apenas sobre música, mas também sobre literatura, filosofia e artes em geral ao jovem Joaquim José. Ao perceber que não há mais nada que possa ensiná-lo, propõe enviá-lo para o Rio de Janeiro, aos cuidados do Padre-Mestre José Maurício Nunes Garcia. Sem muito pensar, Joaquim aceita a proposta. E vai.

Não devo me prolongar na descrição da história do livro, então vou direto aos fatos mais importantes. No Rio de Janeiro, Joaquim José vive seu primeiro amor e dá-se conta de ser um verdadeiro artista ao compor uma cantata complexa e quase perfeita chamada “Olhai, Cidadãos do Mundo”. Por causa dela, o título do romance. A cantata se perde em um momento do livro, e reaparece no final, para ser finalizada pelo Maestro Mendanha. Nesse meio tempo – 40 anos -, ele encontra a mulher que o acompanhará por toda sua vida, integra a banda do exército como Sargento-Mestre e vai para o Sul do Brasil, participar de uma guerra (pela cronologia, o Google deduz que seja a Guerra do Paraguai); seus mestres morrem, seus pais também. As mortes deixam um grande peso sobre Joaquim, que se sente perseguido pelos fantasmas de Bento Arruda, do Padre-Mestre e de seu pai. Já dispensado do exército, estabelece residência na Província do Sul, com Pilar, sua esposa. Ganha a vida escrevendo hinos e dando aulas de música. Pilar trabalha copiando partituras, coisa que fazia antes mesmo de conhecer Joaquim José. Os anos passam sem grandes novidades. Quando o Maestro não esperava mais nada da vida, eis que sua obra-prima “Olhai, Cidadãos do Mundo” volta às suas mãos, para ser finalizada e orquestrada pela primeira e última vez. Mas não por ele.

“Música perdida” impressiona pela qualidade. É extremamente bem escrito. O texto é elegante, refinado, mas nem um pouco pomposo ou pedante. A história se passa no século XIX, e talvez por isso o autor tenha optado por utilizar um vocabulário, digamos, um tanto rebuscado, em algumas passagens. Ênfase no em “algumas passagens”, pois o livro é de leitura fácil, com uma palavra ou outra passível de consulta no dicionário, como todo bom livro deve ser. Afinal, além de entreter, fazer pensar etc. etc., livros devem dar aos leitores algum tipo de cultura, nem que seja ao menos uma palavra nova…

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