Leite derramado

Terminei hoje de manhã a leitura de “Leite derramado“, que bastou ser citado aqui para gerar dois comentários.

Quem estiver pensando em comprar o livro, pode ir sem medo. Ele é muito superior a “Budapeste”, que na minha opinião é um livro muito ruim.

“Leite derramado” é o oposto. Com a escolha certeira do protagonista-narrador, um homem com mais de 100 anos, à beira da morte e já meio delirante, Chico Buarque pôde dar vazão de maneira livre e envolvente à sua criatividade. Ele abandona o tom por vezes exagerado e inverossímil de “Budapeste”, que em muitas passagens chega a ser ridículo de tão improvável, e assume uma narrativa mais sóbria e “verdadeira”, no sentido de que você visualiza e acredita no que está lendo.

(Não que a literatura deva se restringir ao real, ao possível, mas por mais que o autor esteja escrevendo um conto de fadas ou uma ficção científica, ele precisa ter certos “limites”. Não se pode simplesmente colocar uma vaca voando fora de um contexto no qual seja possível existir a tal vaca voando. Mas enfim, isso é uma outra história.)

É certo que alguns trechos de “Leite derramado” parecem ser delírios do narrador e se aproximam do sonho, mas isso nem de longe compromete a qualidade do livro, muito pelo contrário: é justamente nesses momentos que o autor demonstra ter domínio absoluto do seu trabalho. São, para mim, as melhores passagens do livro.

Confesso a vocês que o comprei com muito receio, mas digo-lhes que vale cada centavo gasto. Não entrem na onda de que ele é um tratado sobre a desigualdade social, ou que o título é uma metáfora para entender a vida e a morte etc. etc. etc. “Leite Derramado” é um romance que conta uma história e ponto. O título se refere a certa questão do enredo e ponto. Quando comecei a lê-lo, lembrei logo de dois livros que li recentemente: o excelente “Elza, a garota”, de Sérgio Rodrigues, porque tem também um narrador de idade bem avançada, o nonagenário Xerxes; e “Homem Comum”, de Philip Roth, um livro estupendo dentro do que se propõe a ser e como ser (um livro comum, que retrata os anseios de um homem comum; não é uma obra-prima porque Roth não quis).

Enfim, não escrevo mais porque em breve será publicada uma resenha minha do livro, só não sei quando exatamente.

***

Em tempo: o livro saiu com duas capas, uma laranja e outra branca. Achei a branca bem mais bonita.

This entry was posted in Literatura, Livros. Bookmark the permalink. Post a comment or leave a trackback: Trackback URL.

2 Comments