Eu sou meu cadáver

Agora, sou meu cadáver, um morto no fundo de um poço. Faz tempo que dei o último suspiro, faz tempo que meu coração parou de bater mas, salvo o canalha que me matou, ninguém sabe o que aconteceu comigo. Esse crápula desprezível, para certificar-se de que tinha mesmo dado cabo de mim, observou minha respiração, espreitou minhas derradeiras palpitações, depois deu-me um chute nas costelas, arrastou-me até um poço, passou-me por cima da mureta e precipitou-me fosso abaixo. Minha cabeça, já rachada a pedra, esfacelou-se na queda; meu rosto, minha testa, minhas faces se estraçalharam; moeram-se meus ossos, minha boca encheu-se de sangue.

Assim tem início o capítulo “Eu sou meu cadáver”, do romance “Meu nome é Vermelho“, do escritor turco Orhan Pamuk. Ok, estou imitando o Sérgio, colocando inícios de livros aqui de vez em quando. Mas fazer o quê, se a idéia é boa, e se eu estou sem cabeça para escrever?

Sobre Pamuk, a orelha do livro diz o seguinte: “Orhan Pamuk nasceu em 1952 em Istambul, onde vive com a mulher e a filha. Nascido numa família rica, estudou engenharia, arquitetura e jornalismo, mas nunca exerceu nenhuma dessas profissões. Dedica-se inteiramente à literatura desde 1974.”

Quando li isso, meses atrás, fiquei pensando naquela história de que o escritor tem que passar por poucas e boas para ser um escritor de verdade e coisa e tal. No caso, dificuldades financeiras, traumas familiares, ou perder um pé, uma mão, um olho, sei lá, Deus me livre. Enfim, ter uma vida trágica. Não sei nada sobre a vida de Pamuk, mas me parece que ele teve uma vida tranquila. E levou o Nobel de Literatura em 2006.

Aí você vê um monte de escritor brasileiro reclamando (a grande maioria deles sem ter razão) de meio mundo de coisas, lutando pra ser mais pobre dia após dia, bebendo até cair, perdendo emprego, arrumando confusão com um e com outro, achando que esse tipo de atitude lhe dará a possibilidade de escrever boa literatura e a atenção da mídia.

Ok, até que a atenção da mídia eles conseguem, às vezes. Mas é uma mídia tão restrita a quem vive no meio literário, que é o mesmo que nada (afinal, quem se importa com Literatura, realmente?, repito aqui a pergunta que um amigo me fez dias atrás. A resposta? Uns poucos gatos pingados, eu, inclusive). Com essa “atenção da mídia, eles conseguem publicar um ou mais livros. Ruins. Livros muito ruins.

Escritores beberrões e nervosinhos sempre existiram e sempre vão existir. Mas uma coisa é você ser um beberrão, ser um gênio e escrever um clássico. Outra coisa é você ser beberrão e nervosinho, ser um imbecil e escrever um lixo.

Eles pensam que, ao imitar certos grandes autores beberrões, vão escrever igual a eles. Ledo engano. Gênio é gênio. Idiota é idiota. Deveriam imitar os bons exemplos, e ler horas e horas por dia, escrever, trabalhar os textos e ter um pouco mais de humildade.

Algo bom de se pensar, não?

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