* Postado originalmente no O Leitor, mas devido ao número astronômico (pra não dizer o contrário) de visitas lá, resolvi postar aqui também.
Conheci a revista Brasileiros totalmente por acaso. Foi em fevereiro deste ano, pela internet, e a matéria de capa da revista era sobre Muricy Ramalho, uma das pessoas que mais admiro. Além de ser espontâneo e verdadeiro, Muricy é, assim como eu, são-paulino. Comprei a edição (de número 19) e fui direto na matéria sobre o ex-técnico do São Paulo, que foi entrevistado por Ricardo Kotscho (também são-paulino), Fernando Figueiredo Mello e Hélio Campos Mello, sendo este último diretor de redação e idealizador/fundador da Brasileiros.
Para mim não havia outra saída a não ser gostar da matéria – e da revista. A coisa aumentou de grau quando, depois de enviar uma tentativa de colaboração para lá, me enviaram um e-mail solicitando uma foto minha e uma rápida biografia, para colocarem na página de colaboradores da então próxima edição, a de número 20, que além de ter uma ótima matéria de capa com a socióloga, educadora e cientista política Maria Victoria Benevides, traz também homenagens a várias mulheres (representando todas as brasileiras) e uma reportagem sobre o médico Aziz Miguel Filho, que paga pra trabalhar, além de outras boas matérias.
Por ser um tanto diferente das revistas com as quais estava acostumado, semanais engajadas em alguma corrente política e mensais insossas, a Brasileiros tinha tudo para se tornar um xodó meu. Gosto de bons textos, com personagens inusitados e até mesmo improváveis. Além disso, a Brasileiros dá destaque a certas coisas que o restante da imprensa deixa passar em branco. Não apenas pessoas que tentam fazer deste Brasil um lugar melhor, mas também livros, discos, enfim, produtos culturais que as revistonas e os jornalões esquecem de divulgar ou criticar. Com a minha matéria publicada, então, vocês podem imaginar: virou mesmo mais um xodó entre os tantos que tenho. Agora a acompanho todo mês, comprando nas bancas, e em breve me torno assinante.
A Brasileiros teve sua edição de número 1 publicada em julho de 2007. Ela faz, portanto, 2 anos neste mês. Quer dizer, ela é um pouco mais velha que isso. Digamos que ela tenha nascido uma pouco antes mas só foi registrada em cartório no mês de julho. Por isso não é do signo de Câncer, casa do zodíaco à qual pertenço. Essa foi uma das coisas que o já citado Hélio Campos Mello “falou”, na entrevista que ele me concedeu por e-mail e que vocês leem a seguir. Detalhe: em determinado momento, Hélio faz uma observação sobre o fato de estar sendo espontâneo e também sobre não ter ainda se acostumado com a acentuação do novo computador. Quando imaginei a entrevista, pensei mesmo em algo bem próximo de uma conversa. Por isso resolvi manter a observação.
Hélio, você passou por algumas das maiores redações do país (Veja, Estadão, IstoÉ). Me desculpe fazer a pergunta desta maneira, mas por que em vez de continuar trabalhando para outros veículos você resolveu criar o seu? Não seria trocar dores de cabeça eventuais por uma enxaqueca, no sentido de que tanto as responsabilidades quanto o trabalho são bem maiores?
Acho que fazer a Brasileiros é fechar um ciclo e iniciar outro. O primeiro – e longo – ciclo foi uma caminhada que teve seu inicio na década de 70 no Jornal da Tarde e O Estado de São Paulo, com Murilo Felisberto e Miguel Jorge, na Veja, com Mino Carta, em alguns estúdios de fotografia, no jornal Última Hora, com Samuel Weiner – todos esse lugares/empregos exclusivamente como fotógrafo, que é a minha formação. Esse ciclo continuou em 76 na IstoÉ, de novo com Mino Carta, até 1980, aí já como editor de fotografia, além de fotógrafo/ fotojornalista. Passei um tempo em Nova York, fotografando para Veja e Visão, até voltar a trabalhar com Mino Carta, na Senhor, semanal da Editora Três. Lá fui fotojornalista, editor de fotografia, secretário de redação, tradutor da The Economist e fechador das colunas de Claudio Abramo e Raymundo Faoro. Em 1988 participei da verdadeira revolução editorial feita pela Agência Estado, sob o comando do Rodrigo Mesquita, no Grupo Estado. Como diretor, lá fiquei até 1993 e participei da transição tecnológica que informatizou redação, fotografia e também na implantação da informação em tempo real, principalmente a econômica, um pouco antes do advento da internet como ferramenta de rotina, como hoje a usamos. De quebra cobri a invasão americana ao Panamá, em busca do general Noriega, em 1989, e a Guerra do Golfo em 1990/1991. Nessa última, como uma espécie de cereja no bolo, ou, melhor, tâmara nessa torta quase indigesta, eu e meu companheiro de trabalho naquele momento, William Waack, fomos presos e assim ficamos por uma semana em mãos de tropas do outrora temido Saddam Hussein.
O final desse ciclo se dá na IstoÉ, para onde voltei em 1993. Foram 13 anos nos quais trabalhei como fotógrafo, redator-chefe, diretor de planejamento e diretor de redação. Me lembro, com carinho, que conseguimos nesse período 10 prêmios Esso. Mas, como em um casamento, houve mútuo cansaço, e, finalmente, a separação aconteceu em fevereiro de 2006. A IstoÉ ficou lá e eu saí em busca de novos caminhos. Seria um ano sabático para decidir o que fazer não fosse por três matérias especiais que eu e meu amigo Ricardo Kotscho fizemos para o jornal O Globo e uma consultoria que prestei mensalmente para uma agência de publicidade. Mas no que de sabático deu para aproveitar, eu e minha mulher – e hoje minha sócia –, Patricia Elena Rousseaux, viajamos e conversamos muito. E foi olhando em direção a África, com muito vento na cara, numa praia da Bahia, que chegamos, nós dois, ao formato e ao nome da Brasileiros. E aí começa um novo ciclo. Que podemos até chamá-lo, parodiando um pedaço de sua pergunta: “Por que ter uma boa dor de cabeça se podemos ter uma tremenda enxaqueca?”. Como você pode, perceber perdemos o sono – graças às contas para pagar – mas não perdemos o humor.
Você poderia definir, em algumas palavras, a Brasileiros?
A Brasileiros é a realização do conjunto de velhos sonhos com o exorcismo de alguns pesadelos. Como exemplo, eu sempre quis trabalhar em uma revista que tivesse espaços generosos para boas reportagens, como a Realidade, a Vanity Fair, a National Geographic. Ao mesmo tempo, a arrogância do jornalismo sempre frequentou alguns maus sonhos que tive, assim como também o fato de não poder demonstrar gostar do país que vivemos sem ser confundido com ufanista boboca e, portanto, não ter vergonhas em falar de suas coisas boas. Isso sem ter medo em falar de suas misérias e mazelas. Outro de meus sonhos é poder exercer o lado lúdico do jornalismo, que é sair para ver as coisas, falar com as pessoas, e depois ter uma revista onde editar – com prazer – o resultado dessas experiências. Com belas aberturas, belos textos e belas fotos. Enfim, desfrutar do prazer dessa profissão que pode proporcionar muito prazer.
Confesso que só conheci a Brasileiros este ano. Aliás, minto: já a conhecia, mas só em fevereiro comprei e li uma edição da revista. E, mesmo assim, porque aquele número tem o Muricy Ramalho – de quem sou fã incondicional – na capa. Foi então que descobri o quão boa é a Brasileiros – e não estou aqui puxando o seu saco – e agora acompanho a revista todo mês. A pergunta, finalmente, é: por que, na sua opinião, o espaço para revistas como a Brasileiros – e outras como piauí, Rolling Stone e Trip – é ainda um tanto restrito, no Brasil? Apesar disso, os leitores parecem estar dando mais atenção a essas publicações – ou não?
(Tá tudo muito caudaloso, Rafael, fique à vontade para cortar o que precisar e, por favor, estou de computador novo – agora é um Mac – e os acentos são as maiores vítimas.) Acho que há um início de cansaço com relação à imprensa da maneira como ela é feita, quando feita de uma maneira pasteurizada, burocratizada, excessivamente modulada. E essas três revistas que você citou estão ocupando esse espaço, cada uma à sua maneira, porque são revistas muito diferentes entre si.
Mudando um pouco de assunto: o que você achou da decisão do STF de derrubar a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para exercer a profissão de jornalista?
Eu sempre lutei, luto e lutarei pela busca de algo não muito palpável, que é o bom senso. Em relação à exigência do diploma, acho falta de bom senso proibir indivíduos talentosos, que possam agregar conhecimento, informação, cultura, de publicar seus trabalhos em jornais ou revistas. Assim como acho falta de bom senso e excesso de oportunismo mal-intencionado se aproveitar da não exigência do diploma para contratar, a preços aviltantes e aviltados, mão de obra desqualificada.
Todos os dias alguém fala em fim dos jornais – na verdade, da mídia impressa – e até em fim do jornalismo. Porque jornais estão sendo fechados, as tiragens estão caindo etc. O que você acha disso? Os jornais, as revistas e o jornalismo vão mesmo acabar? (Acredito que a Brasileiros é a sua melhor resposta para essa pergunta, mas gostaria de ler algumas palavras suas sobre o assunto.)
A meu ver, estamos passando por uma reorganização do mercado. Os jornais e as revista semanais perdem espaço. A informação eletrônica ganha e ganha em cima das semanais e dos jornais. Com isso reabre-se um espaço para as mensais de qualidade. É aí que entra a Brasileiros. São revistas feitas com mais cuidado, mas que não podem perder a temperatura. São as revistas que duram mais que os dois, três dias que duram as semanais. Elas não dependem dos furos, elemento cada vez mais indispensável para vender as semanais. Dependem de uma pauta, de bons textos, boas fotos, acabamento primoroso. A Brasileiros é uma revista que busca suprir uma necessidade que eu chamo de fetiche da leitura. É algo como o prazer de entrar em uma boa papelaria e sentir o cheiro do grafite e do papel. A Brasileiros pretende fornecer, além de um conteúdo o mais perto do excelente possível, também esse prazer táctil e de olfato.
Voltando ao aniversário da Brasileiros: ela, assim como eu, nasceu em julho, e agora completa dois anos de existência. Pode parecer uma pergunta boba, mas como a própria revista tem uma página dedicada à astrologia, pergunto: a Brasileiros tem signo? Se sim, qual? (Se não, fica a sugestão: fazer um mapa astral da Brasileiros!)
A Brasileiros é de Gêmeos (a revista foi pensada e gestada durante 2006 e no começo de 2007; a empresa foi registrada em maio de 2007; no mesmo maio saiu o número zero e, finalmente, em julho de 2007, saiu o número 1, com a capa sobre preconceito). A coluna de astrologia desta edição de dois anos é dedicada a isso.
O que os leitores da Brasileiros podem aguardar para os próximos anos, além da continuidade do belo trabalho que vocês vêm desenvolvendo? Já foi cogitado lançar as melhores reportagens em livro ou essa ideia não passa por sua cabeça (ou já passou e foi embora)?
A Brasileiros, como editora, tem algumas publicações sendo desenhadas e manobrando para serem lançadas. Um livro também está nos planos.
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