Faz tempo que li “Ensaio sobre a cegueira“. Creio que foi em 2003 – eu tinha 19 ou 20 anos. A memória e a idade não me permitem lembrar detalhes do livro (foi por isso que comprei-ô-ô recentemente, pois quero reler), mas recordo que fiquei realmente estupefato com o que li. Daí o interesse pela sua adaptação cinematográfica, que só estreou aqui na cidade sexta-feira passada.
Ontem, fomos assistir ao filme. Minha expectativa era enorme, por causa do livro (arrisco dizer que já é um clássico da literatura de todos os tempos; e, se não é ainda, vai ser; aliás, se não era ainda, agora é, eu proclamo isto aqui). Talvez isso tenha feito com que eu saísse do cinema um pouco decepcionado com a adaptação. Aliás, a palavra correta não é decepcionado. Não sei que palavra utilizar. A questão é que eu esperava um filme tão impactante quanto o livro. Nessa minha expectativa excessiva, fiquei frustrado por minha própria culpa.
A adaptação é fiel ao livro – até onde me recordo dele – e Fernando Meirelles conseguiu fazer coisas impressionantes, como deixar Julianne Moore quase feia. Quase. As cenas de abandono da cidade são belíssimas – por mais paradoxal que esta frase possa ser. A narrativa em off foi pouco utilizada, na minha opinião. Na verdade, Meirelles eliminou boa parte da narração, depois da exibição do filme no Festival de Cannes, por conta dela ter desagradado uma porção de críticos idiotas.
Mas enfim. Como dizem, as melhores obras de arte são aquelas que nos fazem refletir, e “Ensaio sobre a cegueira” me deixou com uma pulga atrás da orelha.
Voltando pra casa, comentei com Cássia que o pior de tudo é que, se realmente passássemos pela situação descrita no filme, agiríamos da maneira que foi mostrada na tela – se querem saber como, vão assistir ao “Ensaio…”.
Mais incômoda que essa constatação – porque, afinal, todo mundo sabe que boa parte da humanidade é idiota, mesquinha, ignorante, burra, intolerante etc. – é a dúvida que não me deixa em paz desde ontem: quando li o livro percebi isso? No caso, percebi que tudo ali descrito se tornaria realidade caso todos nós ficássemos, de repente, cegos? Antes que algum politicamente-correto-chato-de-galocha fale algo, aviso: estou me referindo à cegueira do filme, e não à cegueira que conhecemos, a deficiência visual como a conhecemos.
E por que a dúvida incomoda tanto? Porque se não levei a sério o que li, se não consegui entender que o livro descreve as pessoas como elas realmente são – vide adjetivos acima -, deixei de entender muita coisa que li/assisti na época. Será que eu era tão ingênuo (ou “cego”)?
Pra vocês isso não é nada. Até porque a coisa não é com vocês. Mas, para mim, isso significa muito: vou ter que reler uma porrada de livros e assistir novamente a uma cacetada de filmes. Nada que eu não faça com muito prazer, é claro.