* Há poucos dias reencontrei alguns cadernos velhos, nos quais escrevi uma porção de textos. Alguns deles, resenhas e/ou artigos sobre literatura, foram publicados internet afora. Outros, arremedos de ficção, se mantiveram inéditos, sequer digitados. De alguns eu nem lembrava; e, apesar de a maioria não ser grande coisa, gostei bastante de rever parte desses “inéditos”. O que segue abaixo é um deles. Nota: gostar não significa pensar que há qualidade.
Ele levantou, deu-lhe um abraço, um beijo rápido e disse “eu te amo, sabia?”. Ela parece não ter ouvido os dizeres do rapaz ou não estranhou a declaração em momento inusitado. Afinal, até para dizer “eu te amo” tem hora.
“E, aconteça o que acontecer, sempre vou te amar”, continuou ele, ambos já sentados. Ao ouvir isso, o sorriso que a garota carregava no rosto e a respiração ainda apressada por conta do atraso deram lugar a uma interrogação.
O “aconteceu alguma coisa?” que ela quis dizer não foi ouvido, até porque não foi dito. Mas ela perguntava com o olhar.
“Me dá só um minuto. Vou aqui e volto agora.” Ele precisava tomar coragem, mas só vendiam chope. “Um, por favor”.
Ela o esperava no meio da praça de alimentação de um grande shopping. Enquanto aguardava seu pedido, o rapaz imaginava o quão bom seria não ter aquela conversa. Não queria apagar o acontecido de dias atrás, mas queria mesmo é ser covarde e não contar nada a ela, fingir que nada aconteceu. Queria mentir, inventar uma falsa resposta para aquele olhar, só para não vê-la chorar. Sabia como aquilo ia acabar. Ela o deixaria, com certeza.
Desejou que ela entendesse aquelas duas frases que ele dissera assim que ela chegou, e que, quando retornasse à mesa, sentasse sozinho, com o alívio da não presença dela à sua frente.
Com o chope em mãos, olhou para a mesa. Ela ainda estava lá.
* O primeiro trecho itálico é um verso da música “Ela conversava com o olhar”, de Erasmo Carlos e José Lourenço; o segundo foi inspirado na seguinte estrofe da mesma canção: “Quase menti/ Falsas respostas/ Só pra não vê-la chorar”. A música está presente no disco “Pra falar de amor“, de 2001. O último trecho em itálico é uma referência ao microconto “O dinossauro”, de Augusto Monterroso.
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