A cada ano mais azedo

Eis que encontro uma entrevista com José Castello, no Observatório da Imprensa, feita pelo jornalista Paulo Lima. Uma das perguntas dá a Castello a oportunidade de falar sobre um assunto no qual tenho pensado bastante:

“Você mantém uma seção na revista Rascunho, em que analisa a obra de jovens escritores. Como eles têm reagido às suas críticas?

J.C. – Muito mal. Tanto que desisti de escrever as ‘Cartas de um aprendiz’ e a partir da edição de outubro estou com uma coluna nova, muito diferente. Esse é um grave problema – não da literatura, mas do meio literário, e que não acomete só os jovens escritores, mas a eles também: o espírito de corpo, a dificuldade de receber críticas, a reclusão em bandos, que se olham com desconfiança e se guerreiam com violência. Pensei que com minhas ‘Cartas’ – já que eram cartas, escritas na primeira pessoa, de modo direto e pessoal, sem interesse algum em aplicar teorias ou dogmas, preferindo dialogar em vez de ensinar – eu conseguiria abrir uma janela para a conversa limpa, franca, sem meias palavras, mas amorosa, até porque a literatura, para mim, é antes de tudo uma paixão. Que nada: a maior parte das reações foi dramática, ou raivosa, ou persecutória. Não criei essa coluna para passar por mal-humorado e rabugento, ou vestir a máscara de perseguidor. Então, desisti. Uma pena, me aborreceu muito, mas achei mais prudente.”

A falta de maturidade de alguns autores contemporâneos resultou nisso. Uma idéia muito boa, que era a dessa coluna do José Castello, no Rascunho, deixa de existir. E não acontece só com ele. Perguntei um dia desses a um amigo, que entende muito de literatura, por que ele não escreve sobre o assunto – ele é escritor, editor, revisor e tradutor -, no caso, ensaios e artigos literários. A resposta foi mais ou menos a seguinte: ele não quer ter os aborrecimentos que teve o Castello.

E na situação em que se encontram Castello e esse meu amigo, há mais gente por aí. Em seu blog, o escritor Sérgio Rodrigues publicou um post com o título “Debate literário“, quase uma anedota sobre a maioria das discussões sobre literatura travadas nas caixas de comentários de alguns sites e blogs (algumas dessas discussões contam com a participação de alguns desses autores imaturos). É impressionante a quantidade de pessoas que falam sobre literatura como se realmente entendessem do assunto. E é impressionante como algumas delas não deixam espaço para outras opiniões. Cada pessoa quer ter toda a razão, como se ela fosse a detentora de todo o conhecimento. Sem contar que a maioria dessas pessoas são extremamente grossas, sem educação e, o que é pior: fazem de tudo para distorcer os comentários de quem não concorda com elas.

Citarei novamente o querido Luis Eduardo Matta que, em uma coluna no Digestivo Cultural, disse o seguinte:

“Muitos acreditam que, por serem aficionados por futebol, conhecem o esporte melhor do que os profissionais do ramo. Fato semelhante ocorre na literatura. Do mesmo modo que todo torcedor brasileiro se considera um técnico de futebol em potencial, muitos dos apaixonados pelos livros acham que podem se tornar escritores. Mal sabem eles que a criação literária é uma epopéia extenuante e complicada…”

Adaptando isso à crítica literária, é justamente o que está acontecendo. Por terem lido mais clássicos ou por terem mais títulos acadêmicos ou apenas por terem mais idade, existem pessoas achando que podem resumir e definir, em algumas linhas, tudo o que críticos, escritores e teóricos da literatura não conseguiram fazer em centenas de anos. Opiniões sobre livros e autores são pessoais, não há muito o que se discutir sobre isso. Quando, posts atrás, escrevi que “sei quando um livro é bom e quando um livro é ruim“, não me senti muito confortável. Naquela hora eu estava espumando de nervoso com certas coisas que li. Justamente com as coisas que fizeram José Castello desistir de continuar com suas cartas aos jovens autores, que fazem meu amigo não querer escrever e que fazem, temo eu, outras pessoas de bem terem também vontade de parar de falar sobre literatura.

Alguns podem dizer que jogar a toalha é uma atitude covarde. Mas ninguém sabe o que é criticar um livro ou um autor e ser ofendido via e-mail e ter, pasmem, sua integridade física ameaçada, como já aconteceu com um conhecido meu.

É por isso que prefiro ler livros que pareçam mesmo ser bons, que alguém já tenha me dito que é bom, assim posso falar apenas sobre bons livros. Mas não vai ser assim sempre. E então, quando soar o gongo, vou entrar pra ganhar, por nocaute, se possível. Jogar a toalha, não jogo. Posso apanhar feito mala velha, mas não jogo. Ao menos não por enquanto.

Castello e meu amigo, que já passaram dos 40 e precisam mesmo é ter paz e tranquilidade, estão certíssimos em suas decisões. Mas eu ainda não fiz 25, e tenho pelo menos uns 15 anos de briga pela frente. Fazendo minhas as palavras do Zagallo, para o descontentamento geral da nação, vão ter que me engolir. E a cada ano mais azedo.

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