A balada do café triste

Reeditado entre o apagar das luzes de 2009 e o início de 2010, o volume de contos “A balada do café triste e outras histórias” (ed. José Olympio, 192 págs., R$ 39,00), da escritora norte-americana Carson McCullers, parece não ter recebido a devida atenção dos literatos tupiniquins. Eu, pelo menos, não ouvi/li muita gente falando sobre ele.

O que é uma injustiça, devido à qualidade da obra. Traduzido pelo também escritor Caio Fernando Abreu, “A balada do café triste” reúne sete excelentes contos, sendo o melhor deles o que dá título ao livro. Nele, McCullers se vale de personagens inusitados e soturnos para fazer reflexões sobre o amor (“Antes de mais nada, o amor é uma experiência conjunta entre duas pessoas, mas o fato de ser uma experiência conjunta não significa que seja uma experiência semelhante para as duas pessoas envolvidas”) e sobre a vida (… a vida humana não tem preço: ela foi dada de graça, e é levada sem pagamento. Qual é, então, o seu valor?”).

A história se passa numa pequena cidade norte-americana e tem como personagens centrais a senhorita Amélia, mais conhecida por ter dado fim a seu casamento dez dias depois da cerimônia, sem explicação alguma; um forasteiro que diz ser parente da srta. Amélia; e o marido abandonado, que passa um bom tempo longe da cidadezinha e retorna anos depois, trazendo com ele tensão e transformações para as vidas de todos.

“Wunderkind”, palavra alemã que significa “criança prodígio” e dá título a outro conto do livro, é basicamente a história de uma garota que se sente pressionada pelo seu professor de piano, que deposita nela grandes expectativas. Todos ao seu redor, na verdade, esperam muito de Bienchen, que tem apenas 15 anos de idade. Ela se esforça para corresponder a essas expectativas, mas algo começou a incomodá-la alguns meses antes do momento em que se passa a narrativa.

Mas se é difícil lidar com determinados tipos de pressão mesmo depois de adultos, imaginem isso acontecer quando se é criança. Não é nada fácil, e essas esperanças depositadas por terceiros podem ser maléficas. Se não para o resto da vida, ao menos durante aquele período de transição entre a adolescência e a maturidade. “Wunderkind”, apesar de breve, é um grande conto, que deveria ser lido por todos os pais e mães que colocam em seus filhos responsabilidades muito além do que eles podem suportar.

Em “Um dilema doméstico” o personagem Martin Meadows precisa cuidar dos seus dois filhos e lidar com uma esposa alcoólatra. Carson McCullers passa longe dos clichês que poderiam dominar uma história com esse enredo, e, com uma delicadeza impressionante, realiza um conto esplêndido.

Já “Uma árvore, uma rocha, uma nuvem” poderia ser a descrição de um sonho. Um garoto de 12 anos entra num bar para tomar um café. De repente, quando o menino já estava saindo, um dos homens no bar o chama e diz “eu amo você”. Mas não há nada de sensual no conto. Nem uma mísera insinuação de homossexualismo ou pedofilia. Essa é uma daquelas histórias que o escritor não consegue explicar de onde veio. Ela deve ter simplesmente “vindo” para a autora, que a contou de uma maneira nada menos que genial.

Todos os contos de “A balada do café triste” primam pela qualidade, mas citados aqui são de longe os melhores, e chegam muito perto de serem pequenas obras-primas. Além de ter um belo título, “A balada do café triste e outras histórias” reúne contos maravilhosos, quase perfeitos. Um tanto tristes e melancólicos, é verdade, mas lindos e singelos.

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