Dos últimos 5 posts, 4 foram meio revoltados. Pareço um velho resmungão. Mas não sou, é só uma fase.
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Estou lendo “Diário de um ano ruim”, de J.M. Coetzee. Deveria estar lendo outros livros, mas o Coetzee cortou a fila. E é até bom. O livro tem me agradado bastante e, apesar de o personagem falar bastante sobre política e guerra, estou me divertindo. Mérito de Coetzee, que deu ao protagonista uma fala jovial, apesar de o personagem ser um escritor já meio velhinho. O texto não é atravancado e nem mesmo a divisão inusitada das vozes narrativas (a partir de um ponto três vozes dividem as páginas – entendam: três vozes, três discursos, na mesma página) atrapalha a leitura. Aliás, estou achando é divertido ler do jeito que estou lendo.
Tentarei explicar: cada capítulo do livro tem, no míinimo, duas páginas. Suponha que você está na página 15. Ela começa com o início de um dos ensaios do escritor. Uma linha pontilhada separa esse texto de um outro parágrafo mais curto, que é o próprio escritor narrando alguns fatos de sua vida que se desenrolam enquanto ele escreve os ensaios. Uma outra linha pontilhada separa esse parágrafo curto de um outro parágrafo curto, que é a recém-contratada secretária do escritor, que está digitando para ele os ensaios, que são gravados num gravador – claro – e também escritos a mão – é que o escritor detesta digitar. Ele sente uma grande atração física por ela e ela, por sua vez, mostra em sua narrativa que o provoca descaradamente.
Na página 16, a estrutura é a mesma, continuando a página 15, claro. Como estou lendo: leio primeiro o ensaio, depois volto à página 15 e começo a ler narrativa do meio, termino-a na página 16, depois volto mais uma vez à página 15, começo a ler a narrativa da garota e termino-a na página 16. Agora imaginem o capítulo começando na página 15 e terminando na 21 (é só um exemplo, não abri o livro). É ou não é divertido voltar três vezes à mesma página?
Há quem ache chato, mas eu, não.
Noto agora que não conseguirei resenhar o livro. Uma pena, porque parece ser mesmo muito bom, e gostaria de recomendá-lo em uma resenha.
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Trechinhozinho do primeiro capítulo de “Diário de um ano ruim”:
Se o cidadão vive ou morre não é preocupação do Estado. O que importa para o Estado e seus registros é se o cidadão está vivo ou morto.
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