O livro de Dave (uma quase resenha)

ou Dando prosseguimento àquela ideia de falar sobre livros que não li

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Recebi anteontem “O livro de Dave“, de Will Self, e depois de folheá-lo por alguns minutos e ler algumas páginas, posso dizer que o resenharia tranquilamente. Porque, neste caso, foi fácil pegar o espírito do livro, além de eu ter caído em páginas cruciais para um entendimento razoável dele.

Um dos capítulos, por exemplo, mostra justamente como era a vida de Dave, taxista que é um dos protagonistas do livro, nos idos de 1992 e de como ele foi afetado pela crise econômica que a Inglaterra enfrentou nas décadas de 80 e 90.

Nesse capítulo, Self alterna a voz do narrador onisciente com palavras do próprio Dave, inclusive dentro da mesma frase, a exemplo do que fez Flávio Moreira da Costa em “As armas e os barões“. Livros como esses, que além de contar uma boa história deixam de lado as amarras formais, digamos assim, costumam não agradar a maior parte dos leitores, que está acostumada ao “feijão com arroz”. Nada contra o “feijão com arroz” nem contra quem torce o nariz para estruturas que fogem do padrão, mas muita gente não se aproxima de livros assim porque subestima a própria capacidade de leitura, e é sempre um erro se subestimar.

A história de “O livro de Dave” acontece em dois períodos históricos: fim do século XX/início do XXI, em capítulos protagonizados por Dave, o taxista em crise e desiludido que resolve escrever um livro contra tudo e contra todos; e séculos e séculos adiante, depois de uma catástrofe ambiental na Terra, em capítulos protagonizados pelo pequeno Carl – que curiosamente tem o mesmo nome do filho de Dave. Nesse “novo mundo”, o livro escrito por Dave é encontrado enterrado em algum lugar e passa a ser adotado como uma espécie de Bíblia pelos habitantes, que se referem a Dave como “o motorista”, numa clara troça de Self com “o Criador”.

Fica complicado, para mim, comparar Will Self a James Joyce, mas a contar pelo que li sobre “Ulisses” e “Finnegans Wake”, e o que li de “Um retrato do artista quando jovem”, é mais ou menos por aí. Self se diferencia de seus pares não apenas com histórias um tanto quanto insólitas (vide “Cock & Bull“), mas também inovando ou ao menos tentando inovar a forma de narrar essas histórias. Exemplo disso é a linguagem dos moradores da “nova Terra”, que falam assim: “Isseu tchivessi lencima, pensou Carl, lencima comu u Flain Ai?”. É mais ou menos o “axim” dos “miguxos” do MSN e Orkut. Certamente uma crítica de Self a esse novo idioma que os pirralhos criaram.

O objeto livro merece um parágrafo a parte. A capa é feita pela Retina_78, que eu não conhecia até então, e a imagem que a ilustra é de Christiano Menezes – que também não conheço. Um trabalho simples, muito simples, e lindo, muito lindo. Um dos livros mais bonitos que tenho – se não for o mais bonito.

O fator tradução também merece ser destacado. Cássio de Arantes Leite, tradutor de “Obrigado, Jeeves”, “A criança roubada” e outros mais, certamente teve muito trabalho. Segundo esta matéria da Folha de São Paulo, esta é a primeira tradução de “O livro de Dave”. Palavras de Will Self: “Meus outros tradutores, todos eles, recusaram-se a traduzir o livro”. Ainda segundo a matéria, Cássio já está trabalhando no mais recente livro de Self, “The Butt”.

Na contracapa, dois trechos de críticas elogiosas (é claro). Um de Rick Mood, da Esquire: “Self escreveu seu livro mais imaginativo, mais vertiginoso e mais emocionante até agora”. E outro de Philip Hensher, da The Spectator: “Extraordinariamente brilhante e envolvente (…), sensível e inesperado”.

Não vejo a hora de mergulhar de cabeça neste livro.

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Recebi também “Marilyn e JFK“, de François Forastier. Dele eu tinha lido um trecho e fiquei impressionado pra caramba. Segue um pedacinho; quem quiser ler o restante do trecho é só clicar aqui.

“A bala penetra no crânio de John Fitzgerald Kennedy, abrindo uma cratera de 13 centímetros de diâmetro. O projetil Winchester Mannlicher-Carcano, calibre 6,5, dilacera a região parietal do cérebro, esmigalha a área somatomotora e explode, fraturando o osso e o frontal direito. Minúsculas lascas de metal se espalham. O lobo esquerdo pura e simplesmente desaparece. Pedaços do tecido e dos ossos se perdem, sob a pressão colossal provocada pela bala. Linhas de fratura como raios dardejando de um núcleo racham a caixa craniana. O sangue brota como um gêiser, atingindo todos que se encontram na limusine presidencial. O corpo de JFK, amolecido, é lançado contra o encosto do banco traseiro e desaba sobre o ombro de Jackie Kennedy. Ela está sentada à sua esquerda, a 15 centímetros, e grita:

— Ah! não! Não, não, não! Atiraram em meu marido!

Um pedaço de crânio com matéria cerebral voa para trás e cai sobre a tampa do porta-malas do automóvel. Jackie, de joelhos, sobe no capô e segue na direção do fragmento sanguinolento. Estranhamente, o agente William Greer, que está ao volante da limusine, diminui a velocidade, ficando a menos de 18 quilômetros por hora e contrariando, com isso, o regulamento. O agente Clint Hill, encarregado da segurança da primeira-dama, se aproxima às pressas. Ele segura Jackie, forçando-a a voltar para o interior do carro. Ela grita:

— Meu Deus! Deram um tiro na cabeça!”

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Outro que chegou até mim foi “O destino do jornal“, de Lourival Sant’Anna. Pelo que saquei, ele analisa a situação de “O Estado de São Paulo”, “Folha de São Paulo” e “O Globo” em tempos de incertezas quanto ao futuro dos jornais. Esse eu quero ler junto com “O culto do amador” e “Os melhores jornais do mundo“. Ou seja: se eu tiver um piripaque e começar a falar mais abobrinha do que o normal nos próximos dias é porque fiquei lelé da cuca e comecei a ler tudo de vez.

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