Ironweed, de William Kennedy

Publicado nos Estados Unidos em 1983, “Ironweed” (Cosac Naify, 272 págs., R$ 55,00), de William Kennedy, foi o romance que catapultou o autor para a glória literária. Além de ser o vencedor do Prêmio Pulitzer de 1984 na categoria ficção, o livro foi adaptado para o cinema sob a  direção de Hector Babenco, em 1987, tendo como protagonistas Jack Nicholson e Meryl Streep. Isso não significa que “Ironweed” teve uma “vida fácil”: antes de ser finalmente publicado, nada menos que onze editoras recusaram o romance.

Terceiro livro do que o próprio autor chama de “Ciclo de Albany”, uma série de livros cujas tramas se passam na cidade de Albany, terra natal de Kennedy, “Ironweed” é a segunda obra do autor publicada no Brasil pela editora Cosac Naify. Antes dele a editora colocou nas prateleiras “O grande jogo de Billy Phelan“, um livro simplesmente maravilhoso, absolutamente bem escrito, com personagens cativantes e enredo envolvente.

Francis Phelan, pai de Billy, é o protagonista de “Ironweed”. Depois de passar um longo tempo distante de Albany, Francis enfim retorna à cidade. Em seu reencontro com Billy, no fim de “O grande jogo…”, o que se vê é um homem sem qualquer perspectiva de futuro: ele não tem dinheiro, não tem trabalho fixo, e muito menos um lar. Francis é, como ele faz questão de dizer nas páginas de “Ironweed”, um vagabundo.

Ainda em “O grande jogo…” é revelado o motivo que levou Francis a fugir da cidade: ele deixou seu filho caçula, Gerald, com 13 dias de vida, escorregar da fralda, cair no chão e morrer. Seria impossível, para Francis, continuar vivendo na cidade depois disso. O inferno, nesse caso, não foi provocado pelos outros, como ficamos sabendo tanto em “O grande jogo…” quanto em “Ironweed”, mas sim pelo próprio Francis, que, envergonhado, abandonou sua família, sua cidade, e passou a vagar sem rumo pelos Estados Unidos.

(Um breve parêntese: a não-leitura de “O grande jogo de Billy Phelan” não prejudica a leitura de “Ironweed”, mas se o leitor puder ler ambos, melhor, até por conta da grande qualidade das duas obras.)

O início de “Ironweed”, assim como o de “O grande jogo…”, é arrebatador. Francis está no cemitério de Albany, onde conseguiu um serviço. Ao passar pelas sepulturas, ele lembra histórias envolvendo aqueles mortos, muitos dos quais conheceu. E não apenas Francis “conversa” com eles, como também o narrador os trata como se estivessem vivos:

“Da sua sepultura, um círculo cruciforme, Gerald observava o advento de seu pai e cogitava qual seria a atitude mais apropriada para aquele encontro. Deveria absolver aquele homem de toda a culpa, não por tê-lo deixado cair, pois havia sido um acidente, mas pelo abandono da família, pela fuga abjeta no momento em que deveria ter demonstrado uma virtude inabalável? A sepultura de Gerald estremecia diante das soberbas possibilidades daquele momento. Sem ter tido acesso à fala durante a vida, pois morrera com um vocabulário limitado a monossilábicos guus e gaas, na morte, Gerald possuía o dom das línguas.”

A morte é um tema presente em todo o livro e, ao longo do romance, outros mortos entram em cena para dialogar com Francis. Direta ou indiretamente, propositalmente ou não, ele fora o responsável pelo fim de alguns deles: o fura greves que ele matou por acidente, o vagabundo que ele matou em legítima defesa, um outro vagabundo que ele não conseguiu salvar. Francis tem para si que a culpa por tudo o que aconteceu são de suas mãos, malditas mãos que um dia foram elogiadas por multidões, quando ele era um dos melhores jogadores de beisebol de Albany.

Assombrado pelo próprio passado, por fantasmas que de certa forma ele mesmo criou, Francis Phelan busca, depois de anos no limbo, alguma coisa em que se apegar, alguma forma de redenção. Tenta proteger Helen, a mulher com quem tem um relacionamento instável, e Rudy, um vagabundo que conheceu em suas perambulações; ele tenta também enfrentar, finalmente, o medo de reencontrar Annie, sua ex-mulher, mãe de seus filhos.

Repleto de passagens carregadas de sentimento, “Ironweed” é um romance de ritmo um pouco mais lento que “O grande jogo de Billy Phelan”, mas a leitura flui tão agradável quanto. E, apesar de ter um personagem sofrido – mas não triste, porque Francis aparentemente não se deixa abalar por nada -, há passagens nas quais o autor consegue fazer o leitor sorrir – ou por serem engraçadas, ou por serem extremamente belas e cheias de ternura.

* Post escrito ao som de “OK Computer“.

Extras
Confira a entrevista que Eduardo Graça fez com William Kennedy, publicada na Bravo! de julho de 2010.
Leia a resenha de “O grande jogo de Billy Phelan” escrita por Almir de Freitas.

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