O Caso Watergate é um dos maiores escândalos políticos dos Estados Unidos. Ele é tão emblemático que desde então o sufixo “gate” vem sendo aproveitado para denominar até mesmo peraltices de políticos brasileiros, como o recente “Panetonegate”. O episódio marcou de tal maneira os norte-americanos que vários filmes foram feitos sobre o assunto (vide “Todos os homens do presidente” e “Nixon”). A mais recente produção baseada nele, “Frost/Nixon“, estreou nos cinemas dos EUA no fim de 2008 e, apesar de ter sido indicado a 5 Oscar (incluindo aí melhor filme e melhor direção), não teve o merecido destaque no Brasil.
Muito basicamente falando, Watergate é um caso de traição de um presidente para com seu povo. Richard Nixon, presidente dos Estados Unidos na época em que o caso veio à toda, 1972, mantinha uma equipe que espionava políticos – com escutas, por exemplo – e intimidava jornalistas que importunavam sua administração com investigações, denúncias ou questionamentos. É bom lembrar que Nixon assumiu a presidência em 1969, dez anos depois do início da Guerra do Vietnã, que se estenderia até 1975. O escândalo culminou na renúncia do presidente, em 1974, a primeira na história dos EUA. Era isso ou o impeachment.
“Frost/Nixon” contextualiza todos esses fatos, mas se concentra em algo ocorrido anos depois da renúncia: uma série de entrevistas que Nixon concedeu ao jornalista britânico David Frost, em 1977. O filme nasceu de uma peça de teatro que leva o mesmo nome e cuja primeira encenação aconteceu em 2006, em Londres, tendo Michael Sheen e Frank Langella como protagonistas. Peter Morgan, autor da peça, foi quem a adaptou para o cinema – o que lhe rendeu a indicação para o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. Sheen e Langella foram mantidos nos papéis principais, e tiveram como parceiros de elenco Kevin Bacon, Sam Rockwell, Rebecca Hall, Oliver Platt, entre outros.
Frost é apresentado no filme como uma mistura de comediante com jornalista, com programas exibidos na Australia, Inglaterra e França. Em busca de mais audiência e prestígio, David vê nos fatos que envolveram a renúncia de Nixon sua oportunidade de conquistar não só a América, mas o mundo.
Quando recebe o convite para a entrevista, o ex-presidente está trabalhando em sua biografia, com seus assistentes. Sua equipe lhe convence de que aquela é uma boa oportunidade para tentar limpar sua imagem, afinal, David Frost não tem credibilidade alguma como jornalista sério. O britânico serviria de escada para a volta do ex-presidente à vida política.
Antes de começar a ser executado, o plano de David é perfeito. A entrevista seria comprada por alguma grande emissora de TV norte-americana e, depois disso, ele voltaria a ter um programa nos Estados Unidos. Tendo à sua frente um homem marcado pela vergonha da renúncia e do escândalo em que se envolvera, não precisaria se esforçar muito para conseguir realizar uma das maiores produções televisivas já vistas. Mas nenhuma emissora quis assumir o risco de bancar uma entrevista com Richard Nixon feita por alguém como David Frost, um entertainer, um comediante, um showman. Fazendo uma comparação bem grosseira, seria como o Faustão do Caribe entrevistar o nosso ex-presidente Fernando Collor sobre aqueles tristes anos em que ele esteve no poder. Ninguém queria arriscar a própria imagem – sem trocadilho – em algo assim.
É aí que os problemas de Frost começam, e é aí que o filme cresce. Ele precisa levantar fundos para pagar não somente a Nixon pela entrevista, mas também para custear toda a produção dela. Ou seja: não é apenas o nome, a reputação e o bolso de Frost que estão em jogo, mas sim o de todos aqueles que se juntaram a ele naquela empreitada, principalmente seu amigo e produtor John Birt e os jornalistas James Reston Jr. e Bob Zelnick. Além disso, Frost se depara com um entrevistado muito seguro de si e bem preparado. Nixon dá um verdadeiro baile no jornalista, nas primeiras sessões de gravação. A situação chega a um ponto crítico e, se David não tomar uma atitude drástica, sua carreira será demolida por sua própria culpa.
Como todo filme baseado em fatos reais, aqui e ali há uma licença criativa, em que certas cenas ou fatos são alterados ou mesmo criados, para que haja um melhor entendimento de situações que não podem ser completamente desenvolvidas na produção, ou mesmo para criar um maior impacto no espectador. Para os mais curiosos, nos extras do DVD há uma versão do filme comentada pelo diretor Ron Howard – em que ele revela alguns truques que precisou fazer em nome do baixo orçamento que teve -, além de alguns minutos dedicados à verdadeira entrevista.
“Frost/Nixon” tem tudo o que um grande filme precisa: atuações magníficas (principalmente de Sheen e Langella), direção e roteiro irrepreensíveis, fotografia admirável. Ele ultrapassa o fato histórico e revela a história de dois homens que, no fundo, buscaram a mesma coisa: a aprovação de todos – ou de quase todos, já que a unanimidade é impossível. No embate entre eles, apenas um sai vencedor. Por mais que se saiba quem levou a melhor, é importante e gratificante ver como tudo aconteceu. Para quem não conhece a história, é uma grande oportunidade de unir o útil (conhecimento) ao agradável (o prazer e a diversão que o filme proporciona). “Frost/Nixon” é um daqueles poucos filmes que podemos chamar de memoráveis, e que merecem ser vistos e revistos, sempre.
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