Maldito editor. Pra ele é fácil: me aparece com aquele arzinho superior e diz: “ô Rafa, se liga na pauta”. E eu que me vire pra escrever sobre o diabo a quatro. Só porque me promoveu se acha no direito de me sugerir qualquer coisa. Mas qualquer coisa mesmo. Como no dia em que me veio com uma idéia maluca de escrever sobre o elefante branco indiano. Assim mesmo, do nada. Sem motivo nenhum. Ele nunca viu um elefante branco, muito menos eu. Deve ter lido algo sobre o paquiderme e resolveu passar pra mim essa batata quente. Não teve jeito: tive de escrever sobre o tal elefante.
Ah, se me deixassem escrever o editorial… Bastava um, só um, nada mais. E então todos saberiam a diferença entre nós. Ele, um inventor de pautas malucas e reles amealhador de frases de terceiros. Chega a impressionar. Ele se debruça na mesa com seis, sete, oito livros, buscando palavras difíceis e frases prontas para enfeitar seu editorial. Isso no fechamento da revista. No início do mês ele se tranca na salinha dele com bem umas quinze revistas, procurando um outro tema absurdo para a minha coluna.
Sim, porque ele é quem define sobre o quê vou escrever na minha coluna. Tenho outro espaço livre à minha disposição, mas no espaço fixo, que ele denominou de “Linhas tortas”, escrevo apenas sobre o que ele determinar. É o preço que pago. Gosto de trabalhar aqui, a experiência me é muito útil. Vá lá, por culpa dele também. De tanto me passar esses temas sem pé nem cabeça quando aparece algo mais tranqüilo escrevo facinho, facinho. Sempre há vantagens nas desvantagens. Sempre.
Mas dessa vez ele foi longe demais. Lendo uma revistinha nova, lançada há pouco tempo, gostou de um concurso que ela promoveu. Consistia em escrever um texto encaixando a frase “Mas Alice, eu já disse que não sou mitômano!” de forma que ela tivesse sentido. Ele me propôs escrever um conto com um personagem tentando escrever um conto para participar do concurso. No caso, um conto dentro do conto.
O primeiro defeito que vi na idéia dele foi se apoderar da idéia de um outro editor. Achei isso de uma cara de pau tremenda. Mas o pior mesmo foi a história de um “conto dentro do conto”. Isso é mais velho que meus avós. Eles leram autores que fizeram isso, meus pais leram dezenas de histórias assim e eu já estou cansado dessa idéia genial e original que todo mundo tem.
Fato é que não tenho escolha. Vou escrever o texto. Tentarei me inspirar em “Alice no país das maravilhas”. Taí a vantagem da desvantagem: eu ainda não li Lewis Carrol.
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* Conto escrito para participar do primeiro concurso de contos da Revista Piauí, que consistia em escrever um conto contendo a seguinte frase: “Mas Alice, eu já disse que não sou mitômano!“, de modo que ela fizesse sentido dentro da história. O texto vencedor é mil vezes melhor que o meu. Visitem o site e comprovem 😉
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