A palavra é…: respeito

Quem escreve – tanto faz se em um grande jornal ou se em um blog pouco acessado –, precisa estar preparado para qualquer tipo de reação do leitor, seja ela um elogio ou uma crítica. Elogios, quando em demasia, podem ser prejudiciais, pois o autor corre o risco de se deixar levar por eles e achar que chegou a seu ápice criativo – ou à unanimidade. As críticas, quando construtivas, devem ser levadas em conta, porque ninguém é perfeito e quem escreve sabe que sempre há o que ser melhorado. Quando são destrutivas, devem ser ignoradas: não vale a pena perder tempo com esse tipo de crítica, porque muitas vezes são feitas por pessoas movidas pela inveja ou pelo simples prazer de destratar os outros.

Com a minha penúltima coluna publicada no Digestivo, tive a intenção de mostrar como certas pessoas parecem sair de casa e irem a lojas apenas para destratar um funcionário, descarregando suas angústias e frustrações em cima de algum pobre inocente. Mas a maioria dos comentários que ela gerou foi ocasionada por conta de um detalhe, na minha opinião, ridículo e irrelevante: o fato de alguns livros da livraria serem lacrados.

Eu até esperava alguns comentários revoltados, mas não a respeito dos livros lacrados, e sim a respeito dos “elogios” que fiz ao protagonista do texto – afinal, eu o chamo de “idiota” e “imbecil”. E eis que justamente o fato mais bobo do texto se tornou pivô de comentários emocionados, pessoas defendendo os livros lacrados, como se eles estivessem sendo sufocados pelos plásticos que os revestem. Pior: como se eu tivesse dito que todos os livros da livraria estavam lacrados.

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Por mais de quatro anos trabalhei num shopping aqui na cidade. Primeiro, trabalhei numa loja de departamentos; depois, numa empresa de cartão de crédito, cujo atendimento fica dentro de um hipermercado; e, por último, na livraria. Gostei de trabalhar em todos esses lugares, mas algo que sempre me incomodava era a ignorância de certas pessoas – na maioria dos casos, pessoas de muitas posses e diplomas.

Essa gente pensa que vendedores ou atendentes de lojas, principalmente se trabalham em shoppings, não estudam ou não têm perspectiva alguma de vida. Esquecem-se de que vendedores e atendentes trabalham para pagar os custos de suas faculdades, que muitas vezes são cursadas com muito sacrifício, ou para garantir o sustento de sua casa, ou de seus filhos. Pensam que vendedores e atendentes são máquinas que devem fazer todas as suas vontades.

Tais fatos ocorrem porque o brasileiro tem na mente aquela frase cujo autor é, com certeza, um mentecapto: “o cliente tem sempre razão”. É óbvio que as empresas fazem de tudo para agradar aos clientes, mas nem sempre eles têm razão. Certa feita, um desses mentecaptos apareceu, imediatamente depois da micareta aqui da cidade, para trocar um sapato furado, que ele comprara poucas semanas antes. Avaliamos o calçado e chegamos à conclusão de que o indivíduo havia furado o sapato em suas estripulias na avenida, como ele mesmo admitiu ao fim de toda a discussão. Mas, até ele perceber que não iríamos mesmo fazer a troca, sustentou a versão de que o sapato havia “furado sozinho”.

Na livraria, lembro de uma vez em que uma garota me perguntou sobre um livro de Direito. Ela queria que eu lhe indicasse um livro sobre determinado assunto, e que ele fosse de fácil compreensão. Lhe informei que não entendo nada do assunto e perguntei se ela não tinha algo mais específico, uma indicação de autor, por exemplo. Ela respondeu que não, e disse algo do tipo “Mas como você não sabe? Você não trabalha aqui?”. Ou seja: eu, como atendente de livraria, deveria ser um profundo conhecedor de Direito. Isso, aliás, era muito comum acontecer lá: o cliente chegar na livraria sem saber exatamente o que quer e nós termos que nos virar para descobrir. Em certos casos, não há nada de mais, como uma vez em que até nos divertimos tentando descobrir um livro de capa vermelha que o cliente tinha visto na vitrine não se sabe quando. Mas volta e meia apareciam professores universitários querendo que nós indicássemos livros técnicos para eles, sendo que eles é que deveriam saber o que exatamente estavam procurando.

Me prolonguei falando sobre o que os atendentes e vendedores passam mas não esqueci da questão dos livros lacrados. Deixei para o final porque minhas palavras sobre o assunto serão poucas, somente à guisa de esclarecimento: ao contrário do que muita gente parece ter pensado, não sou a favor de livros lacrados, e muito menos todos os livros da livraria na qual trabalhei são lacrados. Alguns livros, isto sim, são lacrados, por simples questão de preservação deles, ou por eles terem chegado lacrados na livraria. Às vezes acontecia de haver um único exemplar de determinado título e de ele estar lacrado, mas abri-lo era só uma questão de o cliente solicitar a qualquer vendedor. Quando há educação e respeito, tudo se torna mais fácil.

Aliás, esta é a palavra-chave daquele texto – e deste também: respeito. As pessoas hoje não se respeitam mais. Recentemente, no dia 24 de dezembro, fui a um hipermercado com dois amigos. Ao adentrarmos o estacionamento, presenciamos uma discussão breve porém áspera entre dois motoristas. Apressado que estava, um deles não percebeu que o outro tinha um obstáculo à sua frente – não lembro se um carrinho de supermercado ou mesmo se um terceiro automóvel – e não podia seguir adiante até o obstáculo sair do caminho. O que estava atrás começou a gritar e xingar o que estava à frente, que por sua vez se irritou e mandou o que estava atrás “passar por cima”. Como disse, era véspera de Natal. Discussões como essas estão cada vez mais terminando em tragédias, e comentamos entre nós que, se um deles tivesse uma arma escondida no carro, é muito provável que suas respectivas famílias tivessem um Natal nada agradável.

Parece que, tanto na internet quanto no dia a dia, as pessoas têm cada vez menos respeito em relação ao próximo. Se respeitássemos mais uns aos outros, se tentássemos compreender e entender melhor a situação do outro, se nos colocássemos no lugar do outro, o mundo seria bem melhor. Mas, claro, fazer tudo isso dá muito trabalho, e ninguém tem tempo nem cabeça pra essas coisas, não é mesmo?

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