Uma verdade inconveniente

No início do documentário “Uma verdade inconveniente” (2006), Al Gore, ex-vice presidência dos Estados Unidos, diz: “Eu costumava ser o próximo presidente dos Estados Unidos da América”, tentando fazer troça com a sua situação política após a derrota para George W. Bush nas eleições de 2000, pois até a divulgação do controverso resultado, Gore era tido como vencedor.

Assisti ao documentário há mais ou menos dois anos. Não tenho, na memória, os dados, os fatos, mas lembro que são estarrecedores. E basta uma rápida folheada no livro “Uma verdade inconveniente”, publicado no Brasil pela editora Manole, para descobrir, por exemplo, que 20 das 21 maiores temperaturas registradas na Terra – desde 1861 – aconteceram entre os anos 1980 e 2005, período que coincide com um maior desenvolvimento econômico e tecnológico de várias nações.

Pouco tempo depois de vê-lo, assisti a um outro documentário, chamado “A última hora” (2007), que tem Leonardo DiCaprio como narrador. Com algumas diferenças de fontes, essa produção tem a mesma intenção que “Uma verdade inconveniente”: alertar às pessoas sobre a rapidez e força das mudanças climáticas, sobre a importância de se preservar o meio ambiente e sobre a urgência em se pensar num plano de desenvolvimento sustentável. Mas “A última hora” revela uma outra preocupação que é geralmente vista como exagero pela maior parte das pessoas: o consumismo exacerbado.

Em “Pequeno tratado do decrescimento sereno”, do francês Serge Latouche, publicado aqui pela editora Martins Fontes, o autor diz o seguinte:

“Há perguntas demais neste mundo aqui de baixo, nos diz Woody Allen: de onde viemos? para onde vamos? e o que vamos comer hoje à noite? Se, para dois terços da humanidade, a terceira questão é a mais importante, para nós, do Norte, os empanzinados do hiperconsumo, ela não é uma preocupação. Consumimos carne demais, gordura demais, açúcar demais, sal demais. O que nos assombra é antes o sobrepeso. Corremos o risco de sofrer de diabetes, cirrose do fígado, colesterol e obesidade. Estaríamos melhor de fizéssemos dieta. Esquecemos as duas outras perguntas que, menos urgentes, são contudo mais importantes. Lembremos que os objetivos que a ‘comunidade’ internacional propôs na aurora do terceiro milênio para 2015 visam a saude para todos e a erradicação da pobreza, e isso bem antes da luta contra as poluições.

Para onde vamos? De cara contra o muro. Estamos a bordo de um bólido sem piloto, sem marcha a ré e sem freio, que vai se arrebentar contra os limites do planeta.”

Nota-se que a preocupação com o consumismo não é um caso isolado. Só para citar mais dois autores em voga no Brasil, que trataram do mesmo assunto em livros publicados nos últimos anos no país, cito Alain de Botton (“Desejo de status”, Rocco) e Zygmunt Bauman (“Vida a crédito”, Jorge Zahar).

Voltando aos recursos naturais, questões de desenvolvimento e infraestrutura, na introdução de “As pessoas em primeiro lugar – A ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado”, de Amartya Sen e Bernardo Kliksberg, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, está escrito que:

“Os avanços tecnológicos registrados pelo planeta são extraordinários e vertiginosos. Os dados referentes à vida das pessoas, porém, são preocupantes e só fazem piorar diante do impacto da atual crise internacional a maior desde a grande depressão de 1930. O planeta pdoeria produzir alimento suficiente para uma população bem maior do que a atual, e, no entanto, 1 bilhão de pessoas passam fome no mundo. As reservas de água existentes poderiam permitir o fornecimento de água potável para toda a população e, no entanto, 1,2 bilhão de pessoas não têm acesso a água tratada.”

Esses são apenas alguns exemplos de manifestações de preocupação em relação ao rumo que estamos dando às nossas vidas e em prol de um crescimento sustentável, não apenas o crescimento pelo crescimento. Ao contrário do que pensam alguns, ser a favor de uma avaliação cuidadosa sobre o desenvolvimento não significa ser contrário aos avanços. Significa, apenas, ter consciência de que é preciso repenser algumas situações, rever ou fazer adaptações nos modelos vigentes.

Neste domingo, dia 03 de outubro, temos eleições no Brasil. Vamos escolher deputados, governadores, senadores e o próximo presidente da república. Além de pensar no passado – para relembrar a trajetória dos candidatos – e no presente – para analisar o que eles têm feito -, é preciso também olhar para o futuro – procurar saber o que eles pensam em fazer durante seus respectivos mandatos, quais serão suas propostas, quem são seus aliados.

Lembremos da eleição disputada entre Al Gore e George W. Bush, em 2000, da qual Bush saiu vencedor. Tentemos imaginar – é difícil, eu sei – o que aconteceria caso Gore tivesse vencido – ou o que não teria acontecido. E apliquemos isso nessas eleições. Quem sabe assim o nível de nossos políticos não melhore.

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