Um louco sonha a máquina universal

Comecei a ler ontem o romance “Um louco sonha a máquina universal”, da cosmologista e PhD em física teórica Janna Levin.

Sim, isso mesmo. Uma maluca, a Janna Levin. Porque qualquer um que estuda física é maluco. Mas, por incrível que pareça, e eu já desconfiava disso bem antes de começar a ler o livro, ela escreve muito bem.

Deixo aqui um trecho do início dele. E vou ver se o sono me deixa ler mais um pouco ali.

Não existe um início. Tentei inventar um, mas era mentira, e não quero ser uma mentirosa. Esta história terminará onde ela começou, no meio. Um triângulo ou um círculo. Um circuito fechado com três pontos.

Num vértice está um lunático paranóico, no outro está um pária solitário: Kurt Gödel, o maior lógico de muitos séculos; e Alan Turing, o brilhante matemático e decifrador de códigos. A genialidade deles é um testemunho de nosso próprio valor, um antídoto contra a insignificância; e seus defeitos abundantes são desafortunados, mas parecem complementos naturais, como se a grandeza só pudesse ser distribuída com uma medida igual de fraqueza.

Essas duas pessoas convergem na história e divergem nas crenças. Vivem vidas apenas tangencialmente relacionadas e mortes escritas para o outro, reflexos invertidos. Ambas são brilhantemente originais e marginais. Ambas são fiéis à razão e à verdade. Ambas estão inebriadas de matemática. Mas, apesar de toda a devoção delas, a matemática é indiferente, inalterável por qualquer de seus dramas: os delírios psicóticos de Gödel, a sexualidade de Turing. Um mais um sempre será dois. Suas vidas dilaceradas são meros episódios à margem de suas descobertas. Mas ao mesmo tempo suas descobertas são sinais de nosso propósito, e suas vidas são parábolas sobre o livre-arbítrio. Contra a indiferença, quero contar suas histórias.

Nossas histórias não importam?

Eu nem sequer deveria estar aqui, mas algumas coisas você só consegue alcançar das formas mais desajeitadas. Mesmo que eu tentasse ocultar o fato, mentir, a verdade é que ainda sou eu quem conta esta história. O catálogo desordenado de fatos biográficos nada fornece sem as histórias com seus avanços e omissões e, às vezes, mentiras puras e simples para criar significados que simplesmente não emergirão dos escombros de fatos isolados. Porque algumas verdades nunca podem ser provadas respeitando-se as regras. Portanto, toda essa história sobre a Verdade é uma Mentira. O mentiroso diz: Isto é uma mentira.

Sou esse mentiroso, o terceiro e último ponto do triângulo, o elo fraco, a dobradiça frouxa, o vértice desalinhado. Minha função é prosseguir do ponto anterior e entregar ao próximo. Mas não sei por onde começar. Estou postado em uma rua, em uma cidade. Vou pegar um trem. Existem pessoas fluindo em todas as direções e uma mulher velha passeando. Um de nós será lembrado? Um de nós importa?

Continue lendo no site da Companhia das Letras.

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