Rodrigo Lacerda e Ondjaki no Fórum das Letras

Foto: Carol Reis

Muitas vezes um evento literário é o primeiro contato direto, digamos assim, que o leitor tem com determinados escritores. É quando ele vê não a obra, mas sim o homem.

Se, como dizem, a primeira impressão é mesmo a que fica, escritores devem ter um certo cuidado ao participar desses eventos. Afinal, se ele deseja viver de literatura – algo meio impossível no Brasil, mas que vem mudando nos últimos anos -, o escritor precisa ter uma boa imagem perante os possíveis leitores.

Aí não importa se o autor fizer uma pose blasé-arrogante, como fez Will Self na Flip de 2007: o que importa é que ele faça a coisa de forma que seja convincente e que desperte o interesse da plateia. Não é o caso, vejam bem, de desempenhar um papel, mas sim de se mostrar interessante e mesmo provocativo, justamente o caso do Self, que arrancou muitos risos do público e, ao mesmo tempo, mostrou que leva a literatura muito a sério, assim como tudo o que de importante acontece no mundo.

No caso da mesa de ontem composta pelos escritores Rodrigo Lacerda e Ondjaki, foi meu primeiro contato com ambos. E aqui é preciso deixar claro o seguinte: é impossível fazer a cobertura imparcial qualquer fato, inclusive um evento literário. Apesar de ser um trabalho jornalístico, o lado pessoal é também levado em conta, muitas vezes até mais do que deveria…

Então, o leitor destas linhas precisa saber do seguinte: nunca li nada de nenhum dos autores, tampouco assisti a alguma entrevista deles. Ouvi falar – é obrigação minha – do trabalho de ambos e li a respeito de suas obras e suas vidas, mas, a rigor, não os conheço.

O que me interessava na mesa era o tema: “Memória reinventada”. Porque escrever é, quase sempre, lembrar. Às vezes cobrindo uma lembrança com tinta de ficção, às vezes apenas relatando um fato mas afirmando que aquilo é uma ficção (sim, escritores fazem isso, mas não digam a ninguém que contei isso a vocês).

Brilhantemente mediada pelo escritor Ricardo Aleixo, o exemplo de mediador discreto e provocador que mencionei no post anterior, a mesa não rendeu o que eu esperava – talvez porque minhas expectativas fossem grandes demais -, mas ainda assim foi um bom encontro.

Os autores falaram sobre seus livros e sobre o processo de criação de ambos. Ao serem perguntados sobre o que os leva a escrever, aquela tal fagulha da qual se originam as obras, Lacerda e Ondjaki deram respostas bem diferentes. O brasileiro afirmou que suas histórias se originam de cenas, ou seja, um determinado acontecimento, imaginado ou presenciado por ele, é a força motriz de sua narrativa, é o que dá início a ela. O angolano, por sua vez, declarou que seus contos têm como catalisadores alguma sensação; já os romances são escritos com uma maior participação de fatos vividos, presenciados ou conhecidos por ele, não excluindo, é claro, as sensações.

Ondjaki falou, também, sobre a situação política de seu país, que foi colônia de Portugal até 1975 e viveu em guerra civil até 2002. Ao abordar o assunto, o escritor deixou claro que não vivenciou diretamente o período de guerras. Afirmou que por apenas quatro dias, em 1992, ele foi afetado pela guerra, por conta de bombardeios perto de onde sua avó mora – ou morava -, e criticou aqueles que utilizam essas “pequenas experiências”, digamos assim, para promoverem sua ficção e a si próprios. Ondjaki deu a entender que a situação política de Angola é algo que não pode ser ignorado por nenhum habitante de seu país, escritor ou não, mas também não é algo que deve ser utilizado como troféu ou marca para se promover, ainda mais quando não se sofreu tanto como milhares de pessoas que tiveram suas casas bombardeadas e até mesmo perderam entes queridos ou suas próprias vidas.

Enquanto o escritor angolano era muito objetivo e honesto em suas respostas – ele defendeu, por exemplo, os militares soviéticos e cubanos que lideraram o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), posição que, segundo ele, seria criticiada, mas que é uma posição pessoal -, Lacerda se perdia em tergiversações, o que cansava um pouco o público. Nada que atrapalhasse a conversa, mas se eu tivesse que escolher – e, confesso, escolhi – entre comprar um livro de Ondjaki ou um de Rodrigo Lacerda, o autor brasileiro perdeu a chance de vender um exemplar. Mas, novamente, nada que atrapalhe a sua bem-sucedida carreira – que, a propósito, muito admiro.

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