Regina Spektor (2/2)

Depois de três brilhantes discos repletos de experimentações, com algumas melodias até inusitadas, Regina Spektor gravou dois álbuns mais palatáveis, menos alternativos. Em 2006 saiu “Begin to hope” e, em 2009, “Far”. Não é o caso de dizer que a cantora se vendeu, como alguns podem pensar e até já ter dito. Mas é inegável que os CDs mais recentes podem agradar a mais pessoas.

Enquanto nos três primeiros o piano era praticamente o único instrumento na maioria das canções e elas se aproximavam muito do jazz, nos dois últimos houve a inserção de baterias e até mesmo guitarras em algumas faixas. Fãs ortodoxos geralmente criticam mudanças assim, mas é preciso entender que, artisticamente, manter um único padrão não acrescenta em nada à carreira de alguém. (Quer dizer, a depender do artista, acrescenta, e muito, à conta bancária dele…) Acomodar-se em um estilo e permanecer imitando a si mesmo é quase deprimente. Agora, se foi por isso que Regina decidiu mudar um pouco o rumo de seus discos, eu não sei.

“Begin to hope” começa com “Fidelity”, que inclusive fez parte da trilha sonora da novela “A favorita” (2008). Nesse disco, aliás, são três as canções aproveitadas em trilhas sonoras tupuniquins. Além da citada, “Better” e “On the radio” foram incluídas na série “Malhação”. Apesar de “Better” ser pegajosa e de as outras serem boas músicas, elas não refletem o que realmente é o disco. “Field below”, por exemplo, só voz e piano, é emocionada, forte; assim como “Apress moi”, na qual Regina canta alguns versos do escritor Boris Pasternak (em russo!). “Edit” é uma linda canção, e é possível ver nela uma metáfora da vida – “You can write but you can’t edit”; “você pode escrever, mas não editar”, a analogia seria de que a vida não permite “edições”, nossas ações não podem ser apagadas e substituídas por outras. O álbum começa prometendo um pop mais refinado, mas termina com Regina Spektor cantando apenas acompanhada do piano. “Begin to hope” é o disco mais equilibrado e coeso da cantora.

“Far”, apesar de ser um bom trabalho, é o pior dos discos de Regina. (Ela pode se dar esse luxo, o de seu pior disco ser bom.) Ele começa na mesma trilha do anterior, mas com um pouco menos de qualidade. Regina já não surpreende tanto, ao menos não nas primeiras quatro faixas. Somente na até um pouco sombria “Machine” é que algo de novo começa a aparecer. “Laughing With”, de melodia e letra simples, é outra que merece destaque; nela, Regina canta que “Ninguém ri de Deus no hospital/ Ninguém ri de Deus na guerra/ Ninguém ri de Deus/ Quando perdem tudo o que conquistaram” para depois dizer “Mas Deus pode ser divertido/ Quando você ouve uma boa piada sobre Ele numa festa”. “Dance anthem of the 80s” é, de longe, a mais divertida do disco, e uma das melhores, com uma levada gostosa, bem dançante, e uma letra divertida (“Garotos e garotas se assistem enquanto comem/ Quando o que eles querem é se ver dormindo”). “Genius next door” é triste, irônica e linda. Essas aqui destacadas e as três últimas músicas são as que valem o disco inteiro; são elas que fazem valer a pena ter “Far” pertinho, seja em CD, seja no mp3player, seja no computador.

Regina Spektor tem uma voz poderosa e uma criatividade aparentemente sem limites. Juntas, elas fazem com que suas músicas sejam melancólicas, alegres, engraçadas, sérias e até sombrias. É sem dúvida alguma uma das melhores cantoras que surgiram nos últimos 10 anos. Ao contrário de outras que começaram bem e se perderam pelo caminho – Joss Stone e Norah Jones, por exemplo -, Regina conseguiu, até o momento, fazer discos no mínimo bons. Vale muito a pena conhecê-la e acompanhar sua carreira. Gostaria de terminar com um “garanto que vocês não vão se arrepender”, mas como cada um tem um gosto, ao menos recomendo veementemente que ouçam alguma coisa dela. Vai ser difícil não gostar.

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