Nas primeiras páginas de “Como Proust pode mudar sua vida” – livro recentemente reeditado no Brasil pela editora Intrínseca –, o filósofo Alain de Botton nos conta que, na década de 1920, o jornal francês L’Intransigeant solicitava, eventualmente, que celebridades e intelectuais respondessem a questões pertinentes da época. Em uma dessas ocasiões, Marcel Proust, um dos maiores escritores franceses, foi um dos convidados.
“No verão de 1922, o jornal formulou uma pergunta particularmente complexa para seus colaboradores. ‘Um cientista americano anuncia que o mundo vai acabar, ou pelo menos que uma grande parte do continente será destruída, e de maneira tão repentina que a morte será certeira para centenas de milhões de pessoas. Em sua opinião, caso se provasse verdadeira, que efeitos essa previsão causaria sobre as pessoas entre a confirmação da notícia anteriormente mencionada e o momento do cataclismo? Por fim, no que lhe diz respeito, o que o senhor ou a senhora faria nessas últimas horas?”
Eis a resposta de Proust:
“Acho que, de repente, a vida nos pareceria maravilhosa se estivéssemos ameaçados de morte como o senhor diz. Pense em quantos projetos, viagens, casos de amor e estudos a vida oculta de nós, tornando-os invisíveis por causa da nossa preguiça, que, certa de um futuro, adia-os incessantemente.
Mas, sob a ameaça da impossibilidade eterna, tudo isso voltaria a ser lindo! Ah! Se o cataclismo não acontecer desta vez, não deixemos de visitar as novas galerias do Louvre, de nos jogar aos pés da Srta. X, de fazer uma viagem à Índia.
O cataclismo não acontece e deixamos de fazer tudo isso porque voltamos ao âmago da nossa vida normal, no qual a negligência arrefece o desejo. Mas não deveríamos precisar do cataclismo para amar a vida hoje. Seria suficiente pensar que somos humanos e que a morte pode acontecer esta noite.”
Este não é o Blog das Perguntas, mas proponho que nos concentremos no segundo questionamento feito pelo jornal, e também na resposta de Proust.
Primeiro: pense em qual seria sua resposta para a pergunta.
Segundo: tente não esquecer das palavras de Proust. Cada um de nós tem seu próprio credo – ou não tem –, mas, ainda que a reencarnação de fato exista, nós não lembramos das eventuais vidas passadas que tivemos. Ou seja: o que sabemos é que temos somente uma vida, apenas uma passagem neste mundo. Por ser uma oportunidade única, não devemos desperdiçá-la.
Não se trata, por favor, de viver cada dia como se fosse o último, fazendo loucuras e não pensando no amanhã. Trata-se de procurar viver bem, da melhor maneira possível, aliando – equilibrando – obrigações e prazeres. Nem todos temos a sorte de poder escolher nossos destinos, nem todos podem se dar o luxo de fazer escolhas. Mas, se você está lendo este texto, é muito provável que seja um privilegiado, alguém que pode fazer escolhas – algumas até arriscadas. Sendo mais claro: você mui provavelmente não pode fazer o que quer, mas pode escolher não fazer certas coisas. E isso, nos dias de hoje, vale muito.
Aproveitem, portanto, vossas vidas. Sem loucuras, sem ações impensadas e atos extremados. E sim com muito bom senso, muita sapiência, muita responsabilidade e, sobretudo, com muita alegria.