* O Fórum das Letras de Ouro Preto terminou na última segunda-feira, dia 15 de novembro, mas ainda não acabou a cobertura do evento neste blog. Nos próximos dias escreverei sobre mais algumas mesas, até porque as discussões que lá foram feitas não são efêmeras. São quase infinitas.
No início do ano passado li o romance “Leite derramado”, de Chico Buarque, e o resenhei para a revista Brasileiros. Mas – e acho que vocês, leitores, saibam disso – entre o ler um livro e o escrever sobre ele existem uma série de fatores que muitas vezes – na verdade, quase sempre – são desconhecidos de quem lê a resenha.
Neste caso específico, aceitei a encomenda da resenha porque, bem, se tratava do novo livro de Chico Buarque, ou seja, era um “acontecimento”. E eu, como resenhista, não poderia negar esse trabalho. Mas, logo depois de topar escrever sobre o romance, me veio a lembrança de “Budapeste”, um livro que li há muitos anos e que, na minha opinião, é uma perda de tempo. (Posso até mudar esse julgamento depois de uma releitura, mas por enquanto é o que eu acho.)
Pensei: se “Leite derramado” foi igual a “Budapeste”, como vou escrever sobre ele? Como dizer, numa publicação de alcance nacional, que um livro de Chico Buarque – cujos trabalhos são quase unanimidade – é ruim? E o mais preocupante: se eu fizer isso – dizer que o livro é ruim -, o que será de mim, depois? Isso me traria algo de negativo?
Um ou dois dias se passaram até que eu começasse a leitura. E fiz o possível – acredito que consegui – para fazê-la da maneira mais isenta e menos parcial possível. Antes mesmo do fim do romance tive a certeza de que estava diante de uma obra cujo verdadeiro valor só poderia ser medido anos depois. “Leite derramado”, concluí, é o melhor livro de Chico Buarque até o momento, e um dos melhores romances brasileiros publicados nos últimos anos.
Confesso que fiquei aliviado. Afinal, não precisaria falar mal do Chico. Aproveito para fazer um adendo: falar mal do Chico – ou de alguém com reputação semelhante – pode trazer a suspeita de o escrevente querer fazer seu nome às custas dele. E eu não gostaria, jamais, de ter sobre mim tal dúvida. Por outro lado, falar bem demais poderia soar como puxa-saquismo, outra coisa que abomino. Procurei, então, um meio termo e, felizmente, consegui encontrá-lo.
Mas – e aí vai mais uma confissão -, meses depois de ter a resenha publicada, “Leite derramado” continuava presente em minha mente. Eu lembrava de cenas e a vontade de revisitá-las era enorme – ainda é, aliás. E foi aí que a expressão “obra-prima”, a qual me recusei a utilizar e contestei quem a utilizou, começou a sobrevoar meus pensamentos. Seria “Leite derramado” uma obra-prima e eu, por absoluto excesso de zelo, deixei de defender isso?
Essa é uma questão que só uma releitura, e o tempo, poderão responder. O caso é que, com os recentes prêmios concedidos ao autor – Livro do Ano do Jabuti e vencedor do Prêmio Portugal Telecom de Literatura -, e com a polêmica que os cerca – clique aqui e leia um post do blog Veja Meus Livros sobre o assunto -, “Leite derramado” vem sofrendo críticas e ataques que não merece.
É óbvio que não há critérios objetivos e matemáticos para se qualificar ou “ranquificar” um livro. Mas entre as obras que li, em 2009, e que estavam concorrendo ao Jabuti e ao PPT, não havia livro para bater “Leite derramado”. O segundo colocado na categoria Romance, do Jabuti, “Se eu fechar os olhos agora”, de Edney Silvestre, é um livro brilhante e mereceu ter ganhado o Prêmio São Paulo de Literatura na categoria Estreante – e poderia ter vencido na categoria dos veteranos, também, se estivesse concorrendo por ela -, mas acho que “Leite derramado” ainda é superior e vejo como erro não o romance de Chico ter ganhado o prêmio de Livro do Ano, mas sim o segundo lugar na categoria Romance do Jabuti.
De qualquer modo, é até gostoso ver toda essa celeuma em torno disso. Sinal de que a literatura vem sendo cada vez mais levada a sério, no Brasil. Resta torcer apenas para que as polêmicas não se tornem uma constante, mas tão somente casos à parte, e que livros de qualidade, e não elas, sejam os protagonistas do mercado editorial.
One Comment