Os exilados de Montparnasse

Durante as décadas de 1920 e 1940 Paris foi o reduto de centenas de escritores, pintores, músicos, enfim, artistas e intelectuais. Não é à toa que a capital francesa é uma das cidades mais homenageadas na literatura (e nas artes de um modo geral). São vários os romances de autores não-franceses que se passam em Paris (se não toda a história, ao menos boa parte dela) ou foram escritos lá – de cabeça (mentira, fui consultar alguns no livro) lembro dos seguintes: “Paris não tem fim”, de Enrique Vila-Matas; “Na pior em Paris e Londres”, de George Orwell; “Nafrágio”, de Louis Begley; “Trópico de Câncer”, de Henry Miller; “O sol também se levanta”, de Ernest Hemingway.

Os exilados de Montparnasse” é o título da obra que consultei para confirmar os dois últimos títulos citados no parágrafo anterior. Escrito por Jean-Paul Caracalla, o livro traz muitas informações sobre aqueles 20 anos de festa em Paris. Sobre o mesmo tema há outros livros, como “Boêmios”, de Dan Franck, e “Paris é uma festa”, de Hemingway. Mas enquanto o primeiro é bem mais prolixo e verborrágico, e o segundo é muito mais pessoal e às vezes falso, além de curto, “Os exilados de Montparnasse” só não é jornalismo puro porque em algumas passagens Caracalla deixa a objetividade de lado e evoca um tom lírico, romântico, como que impregnado pelo clima parisiense daqueles anos. Nada que comprometa o livro, é bom deixar claro, até porque são poucas as passagens menos impessoais (não que um livro mais pessoal fosse ruim, mas quando se trata de fatos, é de bom tom narrá-los como eles realmente aconteceram, com o máximo de impartialidade possível, certo?).

Em suas páginas desfilam “personagens” ilustres como Gertrude Stein, F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Henry Miller, Anaïs Nin, Sylvia Beach, James Joyce, Ezra Pound – só para ficar nos mais citados. E nelas há de tudo. Relatos sobre discussões entre artistas, suas amizades, seus relacionamentos amorosos e, claro, suas obras de arte. Além disso, o autor dá uma ideia de como se fazia para sobreviver naquela época. Não era nada fácil, as dificuldades eram enormes para a maioria dos que viveram por lá durante as décadas de 20 e 40. Mas valia a pena, afinal, era Paris.

Entretanto, engana-se quem pensa que dessas dificuldades originava-se a humildade, a modéstia. A verdade é que, pelas histórias contadas por Caracalla, quanto mais difícil era a vida do escritor, mais ele tinha seu ego inflado. Então, para quem não sabe, o grande Ernest Hemingway se revela um verdadeiro canalha, ao não creditar a Fitzgerald, seu amigo, melhorias feitas em “O sol também se levanta”, para ficar com um “delito leve”; Fitzgerald, por sua vez, é, na verdade, um pobre-diabo que tem de lidar com a fraqueza pela bebida e com uma esposa esquizofrênica; ficamos sabendo que Joyce foi um oportunista sem-vergonha que, depois de ter seu “Ulisses” publicado pela misericórdia e graça de Sylvia Beach, fundadora da lendária livraria Shakespeare & Co., resolve “tirá-la” do negócio, justo ela, que arriscou o próprio bolso para editar o livro e ainda por cima teve de aguentar todos os chiliques de Joyce no processo de edição e revisão da obra.

Tais picuinhas compõem apenas uma pequena parte do livro. O mais interessante em “Os exilados de Montparnasse” é ver como, naquela época, apesar de tudo ser mais complicado, as coisas eram, mesmo assim, bem mais simples. Em uma frase, mesmo que repetitiva: parece que, naquele tempo, viver era mais complicado, mas mais simples.

Ver hoje alguns grupelhos tentando recriar aquele clima parisiense em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro chega a ser um tanto melancólico, porque nem uma nem outra cidade é Paris, e os membros dos grupos não chegam nem no chulé dos gênios que caminhavam pelas ruas parisienses no início do século passado.

Apesar disso, vale a tentativa. Mas entre dar um pulinho num bar de literatos e ficar na cama com “Os exilados de Montparnasse”, a segunda opção é bem mais proveitosa.

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