Olho por olho, de Lucas Figueiredo

O material abaixo foi publicado na revista Conhecimento Prático Literatura nº 26.

Todos os livros do jornalista mineiro Lucas Figueiredo são sobre temas espinhosos. Em “Morcegos Negros” (2000) ele se dedicou a pesquisar um dos capítulos mais vergonhosos da História recente do Brasil, a Era Collor. Depois, escreveu sobre o serviço secreto brasileiro, em “Ministério do Silêncio” (2005). Pouco tempo passou e Lucas decidiu destrinchar mais um fato recente da nossa História, o mensalão, no livro “O Operador – Como (e a mando de quem) Marcos Valério irrigou os cofres do PSDB e do PT ” (2006). E agora, em “Olho por olho“, o jornalista mineiro se debruçou sobre mais um período negro da História do Brasil: a ditadura.

“Olho por olho” conta a história de dois livros importantíssimos para o entendimento dos anos de chumbo: “Brasil: Nunca Mais”, escrito pelos que eram contra o regime; e “O livro negro do terrorismo no Brasil”, escrito pelos militares, mais conhecido pelo codinome “Orvil”, que é a palavra “livro” ao contrário. Mais que um apelido, “Orvil” revela a intenção real do livro: não apenas mostrar a ditadura segundo o exército, mas sim desconstruir e derrubar o “Brasil: Nunca Mais”.

A maioria das pessoas que leu o “BNM” talvez não saiba que suas 312 páginas (número referente à 36ª edição do livro, editado pela editora Vozes desde 1985) são o resultado de uma condensação de quase 7 mil. Os responsáveis por essa tarefa foram o jornalista Ricardo Kotscho e o ex-preso político – torturado pelos militares – Frei Betto. O levantamento dessas 7 mil páginas de documentos foi feito através de uma operação chamada “Testemunhos Pró-Paz”, digna dos melhores roteiros de filmes de espionagem. Como foi organizada a operação, quem participou dela, quem a bancou financeiramente, quais os perigos que passaram os integrantes do projeto, tudo isso é narrado por Lucas Figueiredo. Que faz o mesmo com o “Orvil”, que, sem sua “versão final”, digamos assim, contava 919 páginas divididas em dois volumes. Mas quais foram os militares responsáveis por sua criação e execução?; qual motivo o deixou “engavetado” por tantos anos?; quem vetou sua divulgação? Tudo isso é esclarecido pelo jornalista mineiro.

Um livro revelador em todos os sentidos, “Olho por olho” é certamente uma das obras mais importantes lançadas nos últimos anos no Brasil, porque, além de contar a saga de dois dos mais importantes livros brasileiros de todos os tempos, ele também apresenta fatos históricos que precisam ser conhecidos e questionamentos que precisam de respostas.

Na entrevista a seguir, realizada via e-mail, Lucas Figueiredo, vencedor de três Prêmios Esso, fala sobre seu livro, sua inclinação para as reportagens de fôlego e sobre jornalismo e o fim dos jornais.

Quais foram as maiores dificuldades que você enfrentou durante a escritura de “Olho por olho”?
A maior dificuldade, sem dúvida, foi conseguir uma das quinze cópias artesanais do Orvil, o livro secreto que o Exército produziu entre 1985 e 1988 e que nunca foi publicado. Comecei minhas buscas pelo Orvil em 1998 e só obtive uma das 15 cópias, por intermédio de uma fonte militar, em 2007.

De onde vem sua predileção pelo jornalismo investigativo/político?
Não gosto muito desse termo “jornalismo investigativo”; prefiro “reportagem”, que é algo que se faz há séculos. Acho que, no Brasil, nós jornalistas temos o papel imenso de revelar as mazelas que nos atravancam. Meu fascínio é mostrar o que dá errado, com a esperança de que isso ajude a fazer o certo.

Nos últimos anos foram lançados muitos livros sobre os anos de chumbo no Brasil. Isso ocorre porque finalmente temos o distanciamento necessário para analisar friamente os fatos ou porque ainda há muito a ser dito sobre o assunto? Você acha que algum dia esse tema vai se esgotar?
Nos últimos anos, tem vindo à luz muita informação nova sobre o período, por isso a grande produção. Como a ditadura ainda tem grandes mistérios, como o destino dos 130 desaparecidos políticos, ainda temos campo para a publicação de centenas de obras. O interesse nunca irá se esgotar, porque esse foi um dos períodos mais trágicos do país.

Me parece que, durante o ensino médio, a História Contemporânea do Brasil não tem a atenção que merece. Fala-se muito sobre “Descobrimento” e pouco sobre a Ditadura, na minha opinião. E isso resulta em jovens que mal sabem que, durante anos, nosso país foi governado por militares, por exemplo. Você concorda? Isso não prejudica o desenvolvimento da nação e o entendimento da nossa situação social e política?
O problema é que nas escolas, em geral, a história é ensinada de forma mecânica, sem atrativos. Por isso os jornalistas têm um papel importante nesse campo, ou seja, não apenas levar informação histórica de qualidade ao público, mas também tornar a própria História uma coisa atraente. Aposto que muitos brasileiros aprenderam muito sobre Getúlio Vargas lendo os livros de Fernando Morais, muito sobre a ditadura lendo Elio Gaspari, e sobre o “Descobrimento” lendo Eduardo Bueno.

Mudando um pouco de assunto: recentemente o STF derrubou a exigência de diploma em jornalismo para se atuar na área. Naturalmente, houve muita reclamação por parte dos estudantes de jornalismo e também de jornalistas. Na sua opinião as reclamações são justas ou o STF agiu corretamente ao colocar um fim na exigência do diploma? O jornalismo ganhou ou perdeu com isso?
Acho que o jornalismo ganha com o fim da exigência do diploma. Nunca entendi porque um filósofo, um advogado, um historiador não poderiam ser também bons jornalistas. Tenho um amigo formado em matemática que é um dos melhores e mais corretos repórteres que já conheci. O que o diploma escondia era uma reserva de mercado.

Ainda sobre jornalismo: quase todos os dias alguém fala em fim dos jornais e até no fim do próprio jornalismo. O que você acha disso? Os jornais – e o jornalismo – vão mesmo acabar? O destino de reportagens como as suas será, mesmo, os livros? Ou haverá espaço para reportagens longas nos jornais e revistas? Você arrisca alguma espécie de previsão?
Muitos jornais vão acabar e os que sobreviverem terão de fazer grandes mudanças por questões financeiras, ou seja, terão de “encolher”. O que é uma pena, porque os jornais, com as reportagens, têm tido grande importância na história recente do país. Se a reportagem migrar para outro suporte, não vejo problema. Mas até agora a internet não tem rendido o suficiente para os portais terem jornalistas de qualidade fazendo reportagens. Nenhum portal brasileiro tem, por exemplo, um correspondente na Venezuela, na China, em Buenos Aires ou em Washington, como os jornais. Acho que passaremos por um período nebuloso, no qual teremos menos reportagens, ou seja, menos informação de qualidade. Mas acho que isso pode ser corrigido no futuro.

O que faz um bom jornalista? Uma graduação na área é mesmo necessária ou uma boa bagagem de leituras e, mais que isso, “correr atrás” dos fatos resolve? Quais os conselhos que você daria a um estudante de jornalismo ou a quem está dando os primeiros passos na profissão?
Primeiro, uma boa formação humanista. Toneladas de leitura: imprescindível!!! Por último, leitura de um bom jornal, pelo menos, da primeira a ultima página, incluindo editoriais e cartas ao leitor. As dicas: vá para a rua, não tenha preguiça, cheque seus dados obstinadamente!

Você já está pensando (ou trabalhando) num próximo livro? Se sim, pode revelar qual o assunto e quando pretende publicar?
Neste momento, estou lançando “Olho por olho”. Mas também estou trabalhando em outro livro, que deve ser publicado no segundo semestre do ano que vem. O assunto, por enquanto, é segredo…

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