O que você faria?

Veja a pergunta que Ricardo Kotscho fez a Caio Túlio Costa, em entrevista publicada no Último Segundo.

Vou contar um caso concreto que aconteceu comigo lá na “Folha”. Um professor de escola pública no Embu telefonou, dizendo que os alunos estavam dormindo na sala de aula. Ele estranhou aquilo e descobriu que as crianças trabalhavam numa olaria de madrugada, um trabalho insalubre. Eu fui lá, chequei e realmente tudo era verdade. Fui falar com o dono da olaria. Ninguém tinha registro, as famílias ganhavam por produção. Por isso, os pais botavam as crianças para trabalhar, e moravam de graça. O dono da olaria disse: “Eu sei que está errado, não tem registro em carteira, as crianças trabalham, não sou eu que mando, são os pais… Se o senhor publicar essa reportagem vai acontecer o seguinte: vai vir aqui a Delegacia do Trabalho, vai multar a minha olaria, e vou ter que fechar. E vou ter que botar essas pessoas todas na rua”. Eram 10 famílias. Aí eu fiquei com esse negócio na cabeça, e pensei: vou denunciar um negócio desse para defender as crianças e vou ferrar a família inteira. Contei essa história para o meu editor. Eu nunca vou esquecer a resposta dele: “Para com essa frescura! É verdade tudo isso que você me contou? Então senta aí e escreve!”. Eu acabei escrevendo e me arrependo até hoje. O que você faria?

Imagine-se no lugar de Kotscho. O que você faria?

A primeira coisa que me veio à mente foi mandar o editor tomar naquele lugar e pedir demissão. Mas depois li a resposta de Caio Túlio:

Há uma questão moral aí: nós, jornalistas, não somos justiceiros. Acho que muitas vezes a gente se sente como tal. Então o ímpeto do senso comum é dizer: “Olha, eu não vou atrapalhar a vida dessas 10 famílias”. Mas, do ponto de vista do problema moral, o teu dever, Kotscho, era publicar a reportagem. O teu dever enquanto jornalista, porque você viu uma situação de abuso do trabalho infantil, viu uma situação de miséria, de transgressão das leis da cidade, que reflete um problema social, um problema muito maior do que aquele.

Ele tem razão. Mas a vontade de mandar o editor tomar naquele lugar permanece. Conclusão: espero não ter que passar por uma situação dessas.

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