O presidente negro, de Monteiro Lobato

Achava-me um dia diante dos guichês do London Bank à espera de que o pagador gritasse a minha chapa, quando vi a cochilar num banco ao fundo certo corretor de negócios meu conhecido. Fui-me a ele, alegre da oportunidade de iludir o fastio da espera com uns dedos de prosa amiga.- Esperando sua horinha, hein? – disse-lhe com um tapa amigável no ombro, enquanto me sentava ao seu lado.

– É verdade. Espero pacientemente que me cantem o número, e enquanto espero filosofo sobre os males que traz à vida a desonestidade dos homens.

– ?

– Sim, porque se não fosse a desonestidade dos homens tudo se simplificaria grandemente. Esta demora no pagamento mais simples cheque, donde provém? Da necessidade de controle em vista dos artifícios da desonestidade. Fossem todos homens sérios, não houvesse hipóetese de falsificações ou abusos, e o recebimento de um dinheiro far-se-ia instantâneo. Ponho-me às vezes a imaginar como seriam as coisas cá na terra se um sábio eugenismo desse combate à desonestidade por meio da completa eliminação dos desonestos. Que paraíso!

– Tem razão – concordei eu, com os olhos parados de quem pela primeira vez reflete numa idéia. – A vida é complicada, existem leis, polícia, embaraços de toda espécie, burocracia e mil peias, tudo porque a desonestidade nas relações humanas constitui, como dizes, um elemento constante. Mas é um mal sem remédio…

Você acabou de ler o início de “O presidente negro“, de Monteiro Lobato. O romance, escrito em 1926, “fala”, entre outras coisas, sobre uma eleição presidencial nos Estados Unidos que tem como candidatos uma mulher, um branco e um negro. A eleição acontece no ano de 2228, e fica-se sabendo desse fato, no romance, através de uma máquina chamada “porviroscópio” – o nome deriva de “por vir” – que permite visualizar o futuro tendo como base os fatos do presente.

Esse início é uma aula de como bem escrever. Beira a perfeição.

Mais sobre o livro você lê nesta resenha no Digestivo, escrita por Ricardo de Mattos.

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