O grande jogo de Billy Phelan (trecho)

Martin Daugherty, cinquenta anos e encarregado da marcação dos pontos, observou com atenção quando Billy Phelan, que vinha fazendo um jogo perfeito, adiantou-se com a arrogância de uma águia jovem e inexperiente até a máquina de devolução, recolheu a sua bola preta com furos só para dois dedos, jogou-a de uma mão para outra feito um malabarista e depois a equilibrou na palma da mão esquerda como se ela não tivesse peso. Billy esfregou a palma e os dedos da mão direita no cone oco de giz preso em cima do prato de latão no alto da prateleira de bolas, tirou o excesso dando um puxão na toalha. Postou-se de frente para os pinos e fez mira no ponto de sempre, na altura onde a madeira da pista mudava de cor, a sete tábuas da borda direita. E então, o que aos olhos de Martin era a mais pura expressão da energia sobre sapatos, ele avançou: pé esquerdo, pé direito, esquerdo-direito-esquerdo, e por ­fim a derrapagem, enquanto a mão direita se adiantava e depois voltava tudo para trás, fazendo o pêndulo, o pulso quebrando só um pouco no ponto mais recuado do arco. Seu braço, que para Martin era a mais pura expressão do controle em mangas de camisa, completou o balanço para a frente e soltou a bola, que saiu deslizando quase sem fazer barulho pela pista reluzente, passando exatamente em cima do ponto escuro da sétima tábua e descrevendo uma curva mínima no trajeto, curva que se acentuou ao se aproximar do alvo, e então a bola atingiu os pinos com toda a força justamente entre o primeiro pino e o de número três, derrubando todos os dez num festival de cambalhotas e rodopios.

“Boa, Billy”, disse o seu ­financiador, Morrie Berman, batendo palmas duas vezes. “Espalhou bem, espalhou bem.”

“A bola está trabalhando direitinho”, disse Billy.

Billy ­ficou parado, magro e com as pernas compridas, esperando que Bugs, o menino vesgo encarregado de arrumar os pinos, mandasse a sua bola de volta. Quando ela emergiu ruidosa do canal curvo de madeira, Billy a levantou, virou-se de frente para os pinos recém-arrumados na pista nove, avançou, arremessou a bola e fez mais um strike: agora eram oito seguidos.

Martin Daugherty anotou o strike na folha de pontos, que ainda não exibia nenhum número, só as oito marcas de strike: dava má sorte começar a fazer as contas enquanto o jogador ainda enfi­leirava strikes. Martin já cogitava que aquele jogo pudesse ser o assunto da sua próxima coluna, se Billy conseguisse ir até o fi­m. Sua ideia era dizer como certos homens chafurdam no lodo cotidiano de suas vidas até que, num lance, desprendem-se desta lama e se transformam. Aquilo em que se transformam, porém, não é resultado de um ato repentino, mas o ápice de tudo que ­fizeram ao longo da vida: o triunfo do amadurecimento, o fi­m de algo sem forma, o início de uma coisa de­finida.

Assim começa “O grande jogo de Billy Phelan“, romance do escritor norte-americano William Kennedy, sobre o qual falei aqui anteontem.

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