Foi só recentemente que me dei conta: tenho quatro dos cinco livros escritos pelo escritor carioca Alberto Mussa. E, curiosamente, todos me chegaram por acaso, não fui atrás de nenhum deles. Depois de constatar isso, pensei na carreira do Mussa. O cara está publicando livros desde 1997, se não me engano, e nenhum deles tem personagens ou histórias sequer parecidas ou que lembrem as obras que a maioria de seus contemporâneos escrevem. Enquanto estes fazem dos livros que escrevem um festival de escatologias, uma metralhadora de palavrões e arremedos de pornochanchadas, Alberto Mussa vai na contramão e escreve livros baseados em culturas, digamos, mais antigas.
“Elegbara“, por exemplo. É composto por narrativas que se passam entre os séculos XVI e XX e que dialogam com a história do Brasil, de Portugal e da África.
No prefácio de “O trono da rainha Jinga“, Alberto Mussa diz “Concebi ‘O trono da rainha Jinga’ para o formato clássico de novela policial, com crimes, investigadores, múltiplos suspeitos e um mistério que só se desvenda nas últimas páginas”. Mas não podemos esperar uma história urbana, à la Conan Doyle. A trama acontece no Rio de Janeiro do século XVII, e a África e os africanos são presença forte no livro.
“O movimento pendular” é, de todos os livros de Mussa, o que eu tenho mais curiosidade de ler, porque tem o adultério – uma de minhas fixações – como tema principal. Mas o livro não é uma ficção; também não é não-ficção. É um amálgama dos dois gêneros; nas próprias palavras do próprio autor: “Literatura e ensaio se confundem. Ou melhor, o que existe é uma espécie de ensaio ficcional, como se eu imaginasse ser um ensaísta.”.
Agora, “Meu destino é ser onça“, que chega hoje às livrarias do Brasil. Eis o que o release da editora Record fala sobre o livro:
Em torno de 1550, durante a ocupação da Baía de Guanabara pelos franceses, um certo frade católico, chamado André Thevet, andou pelos matos, acompanhado de um intérprete, registrando vários aspectos da natureza americana e da cultura dos indígenas com quem conviveu – a outrora poderosa tribo dos tamoio, como também eram conhecidos os tupinambá do Rio de Janeiro. Entre as informações mais interessantes obtidas pelo frade, destaca-se uma série de relatos míticos – que viriam a formar o maior corpus de mitologia tupi de todo o período colonial.
Escrito após extensa pesquisa, o livro é calcado nas informações colhidas diretamente dos tupinambás por historiadores e cosmógrafos que desembarcaram no país junto com os primeiros europeus. Da história contada pelos índios para Thevet, Hans Staden, padre Anchieta, Cardim e outras fontes dos séculos 16 e 17, o escritor tirou a massa bruta para montar uma espécie de quebra-cabeças e reconstituir uma grande narrativa mitológica dos tupinambá – que abarca a história completa do universo, de suas obscuras origens ao iminente cataclismo final -, preenchendo algumas lacunas, deixando outras. “Quis criar o ‘mito que poderia ter sido’, o ‘mito baseado em mitos reais’. É onde reside a literariedade do texto”, conta o autor.
O tema central de “Meu destino é ser onça” é a busca da terra-sem-mal, só atingível com a prática do canibalismo – costume que tanto repugnou aos europeus. Todavia, como se pode perceber nas entrelinhas, a complexa metafísica tupi aponta para uma surpreendente conclusão: a de que o rito antropofágico era, para os índios, a principal aquisição da cultura, capaz de transformar em Bem o Mal inevitável inerente à natureza. Segundo Mussa, “no jogo canibal, cada grupo depende totalmente de seus inimigos, para atingir, depois da morte, a vida eterna de prazer e alegria. O mal, assim, é indispensável para a obtenção do bem; o mal, portanto, é o próprio bem.”
Nota-se, portanto, que Alberto Mussa não é “mais um” escritor brasileiro. Ele é um dos mais originais e, segundo o querido Luis Eduardo Matta, um dos mais competentes e bem-sucedidos autores contemporâneos. É bom ficar de olho nele. E nos livros dele também, é claro.
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