O Códex 632

O negócio é ter tempo. Tendo tempo, eu boto pra quebrar, modéstia à parte.Em setembro de 2006 eu estava sem trabalhar aqui na cidade e colaborava constantemente com o Blog Paralelos. Foi lá que publiquei a entrevista com o escritor português José Rodrigues dos Santos, autor de “O Códex 632”, “A filha do capitão”, “A fórmula de Deus”, entre outros, que segue abaixo.

***

Um professor de história português recebe a missão de desvendar uma estranha frase deixada por um outro historiador português, morto no Rio de Janeiro. O enigma que a frase esconde está ligado ao “descobrimento” do Brasil. E pode revelar fatos jamais imaginados, mudando tudo o que sabemos sobre o “descobrimento” e sobre um dos maiores navegadores de todos os tempos que, até o momento, (quase) nada tinha a ver com o Brasil: Cristóvão Colombo.

Esta é a trama principal de “O Códex 632” (Record, 518 páginas), romance do jornalista e escritor português José Rodrigues dos Santos, que chegou às livrarias brasileiras no último dia 12.

Alguns sites portugueses compararam José Rodrigues dos Santos a Dan Brown, pelo fato de ele também fazer uma ficção com base em fatos e documentos reais – o Códex 632 (o documento) é um deles. Mas a verdade (e os sites portugueses fazem questão de deixar isso bem claro) é que José Rodrigues dos Santos se distancia, e muito, de Dan Brown. Primeiro, na qualidade de sua escrita. E segundo, na consistência de sua história. Ambas bem superiores às do escritor americano.

José Rodrigues dos Santos mistura realidade e ficção de maneira hábil, engenhosa e segura. “O Códex 632” é um romance que, além de bem escrito, possui histórias paralelas que dão um toque especial à trama. A mais importante delas (pois influi diretamente no desfecho do livro) é a da filha do professor Tomás, Margarida, que fica muito doente quando o pai enfim chega ao fim de sua investigação. E o professor precisa escolher entre sua filha e a maior descoberta histórica de sua vida.

Na entrevista a seguir, realizada via e-mail, o autor português (que está no Brasil até amanhã, dia 20, fazendo a divulgação do livro) nos fala sobre o “descobrimento” do Brasil, a verdadeira história de Cristóvão Colombo, as comparações feitas de “O Códex 632” com “O Código Da Vinci” e, é claro, literatura.

Uma observação: fiz o mesmo que a Editora Record fez com o romance: mantive as respostas de José Rodrigues dos Santos com a ortografia original do português de Portugal, ó pá!

Quando e como surgiu a idéia de escrever “O Códex 632”?

Há já alguns anos que eu tinha ouvido falar no facto de que as provas de que Colombo seria um genovês têm mais buracos do que um queijo suíço, mas nunca liguei muito ao assunto. Acontece, porém, que eu agora quis escrever um romance sobre os Descobrimentos e pretendia arranjar um ângulo novo, pouco conhecido. Lembrei-me da polémica sobre a verdadeira identidade de Colombo e arranjei documentação, que li durante umas férias do Natal de 2004 no Rio de Janeiro. Descobri assim toda esta extraordinária conspiração, na qual o próprio Colombo se empenhou, para ocultar a verdadeira identidade do grande navegador. Você sabe que jamais Colombo assinou “Colombo” ou se apresentou a alguém com esse nome? Ele assinava Colom ou Colon, e havia contemporâneos que lhe chamavam Colona ou Guerra. Então por que motivo o mundo lhe chama, hoje em dia, Colombo?

Imagino que você tenha levado um bom tempo com pesquisas…

Sim. As primeiras pesquisas foram no Rio, como já disse. Aproveitei e visitei o Real Gabinete Portuguez de Leitura e a Biblioteca Nacional do Rio, dois locais onde, aliás, também decorre a acção do romance. As principais investigações, no entanto, ocorreram nos maiores arquivos de Portugal, a Torre do Tombo e a Biblioteca Nacional de Lisboa, onde se encontra guardado o verdadeiro Códex 632, que deu o título ao romance.

Os brasileiros estão acostumados à idéia de que Pedro Álvares Cabral “encontrou” o Brasil. Até que ponto suas pesquisas e os documentos aos quais você teve acesso muda isso?

O romance começa justamente por abordar o problema da descoberta do Brasil. Não me parece que esteja a dar uma grande novidade se disser que parece evidente que Cabral descobriu uma terra que já tinha sido descoberta por outros. Ele limitou-se a oficializar uma descoberta já feita em segredo.

Qual a importância ou influência de Cristóvão Colombo na “descoberta” do Brasil? Alguns historiadores afirmam que em 1500 já se sabia da existência de nossas terras. Isso procede?

Claro que sim. Colombo é importante porque escreveu no seu diário de bordo, em 1495, que D. João II de Portugal lhe tinha explicado que, a sul das Antilhas, havia outras terras. A América do Sul, claro. Por este pormenor do diário de Colombo se percebe que Portugal sabia muito mais do que dizia. O que se passava é que o rei tinha consciência de que a informação é poder e, por isso, manteve secretas a maior parte das viagens e descobertas então feitas.

Quando li a sinopse do seu livro, e quando iniciei a leitura dele, senti uma semelhança com “O código Da Vinci”, que boa parte da humanidade conhece, mesmo que apenas de ouvir falar. Li algumas críticas de seu livro em sites portugueses e vi que eles também citam “O código…” ao falar de “O Códex 632”. Mas a verdade é (e isso está em todas as críticas) que você escreve muitíssimo melhor que Dan Brown, além de seu romance ter mais consistência que o dele (cá entre nós). Mesmo a crítica fazendo essas ressalvas, você se sente incomodado por ter seu livro comparado ao romance do escritor americano?

Nada incomodado. “O Códex 632” tem semelhanças e diferenças, quando comparado com “O Código Da Vinci”. Mas só lendo é que se percebem ambas. Uma coisa, no entanto, garanto: a parte histórica do meu romance é rigorosa e não tenho a certeza de que se possa dizer o mesmo do livro de Dan Brown. Por outro lado, achei muito pobre o fim de “O Código Da Vinci” e julgo que “O Códex 632” é, a esse respeito, mais forte. Mas é um facto que são ambos romances de mistério histórico e ambos usam criptogramas como motores da narrativa – uma técnica que, é bom sublinhar, não é de Dan Brown, mas de Edgar Allan Poe.

Seu livro se tornou um best-seller em Portugal. Mas há ainda uma resistência quanto aos best-sellers por parte da crítica literária, não? Ao menos aqui no Brasil, best-seller não é sinônimo de boa literatura… (salvo seu conterrâneo José Saramago e o brasileiro Luís Fernando Veríssimo).

Há bons best-sellers e maus best-sellers. Que um livro vende muito é um dado objectivo, que um livro é bom ou mau é subjectivo, depende dos gostos de cada um. Acho que não podemos impor gostos, embora possamos educá-los. Penso, sobretudo, que nunca devemos ir para um livro com uma ideia feita. Temos de nos alhear dos factores externos, incluindo as vendas, e concentrarmo-nos no livro em si. Já apanhei grandes surpresas, ao ler autores supostamente “populares” que eram muito bons e outros, supostamente eruditos, que se revelaram um saco cheio de nada. Mas também há o contrário. Por vezes descobrem-se livros excepcionais que não venderam nada, mas julgo que parte da explicação para esse fenómeno é mau marketing. Se o livro é muito bom, tem obrigação de vender bem. Mas, para isso, precisa do marketing.

Você poderia dizer aos leitores brasileiros um pouco do que é verdade e do que é ficção em “O Códex 632”?

Ficção é a trama. A história de um historiador que morre no Rio de Janeiro e deixa encriptada uma descoberta histórica de grande relevância. O criptologista Tomás Noronha é contratado por uma fundação americana para decifrar os criptogramas que conduzem à grande descoberta. A decifração conduz-nos à revelação gradual do mistério em torno de Colombo. Entramos assim na parte factual do romance. Tomás descobre que chamamos Colombo ao grande navegador quando ele próprio não tinha esse nome. O que Tomás vai descobrir é que houve dois Colombos na História. Um chamava-se Cristovam Colom, era um almirante ibérico, versado em matemática, cosmografia e latim e casado com uma portuguesa da alta nobreza. O outro chamava-se Cristoforo Colombo, era um plebeu genovês, um tecelão de seda que nunca foi à escola e que começou a vida de marinheiro aos 14 anos.

Os historiadores italianos dizem-nos que estas duas pessoas eram a mesma. “O Códex 632” diz que eram pessoas diferentes e mostra porquê. No Século XV, plebeus não casavam com nobres. Se Colom casou com a nobre portuguesa D. Filipa Moniz Perestrelo, aparentada com a família real, Colom não podia ser plebeu, tinha de ser nobre. Ora, os documentos genoveses provam que o tecelão de seda Cristoforo Colombo era plebeu. Consequentemente, Colom não é Colombo. Para além do mais, Colom correspondia-se com genoveses em castelhano aportuguesado. Acha isso normal? Por que não escrevia ele em italiano ou no dialecto genovês? Enfim, os indícios são múltiplos e fornecem os ingredientes para um mistério apaixonante.

Mudando um pouco o foco agora: a literatura no Brasil vive hoje um momento muito interessante: muita gente escrevendo, publicando…; é o efeito “blog”. Mas de bons escritores mesmo, surgiram poucos. Como está a situação em Portugal? Existe também essa ploriferação de literatos? Se sim, a produção deles é de alto nível?

Eu acho que há de tudo. Mas está a surgir uma nova geração de autores que escrevem para o público, não para os amigos. Autores que evitam a escrita experimental.

Você poderia dizer que algum escritor brasileiro influenciou seu modo de escrever? Qual (ou quais)?

Não sei se posso dizer que houve um autor brasileiro que me tenha influenciado. Suponho que Machado de Assis. Gosto da escrita que respeita a gramática, da escrita que é feita para ser compreendida. A minha maior influência, no entanto, é de Eça de Queirós e Somerset Maugham, os autores que mais admiro.

“O Códex 632” é o seu terceiro romance, certo? Como e em que época de sua vida surgiu esse interesse em escrever ficção?

Eu acho que foi um processo. Um amigo escritor que leu a minha tese de doutoramento achou que eu tinha veia literária e pediu-me para escrever um conto para uma revista literária que ele dirigia. Como lhe devia um favor, lá escrevi o conto. Só que, a dada altura, reparei que o conto já tinha 200 páginas. Tornou-se o meu primeiro romance. O resto foi de enfiada.

Já tem algum novo projeto em mente? Do que se trata?

Claro que sim. Vou publicar em Portugal, no próximo mês, um novo romance. Receio, no entanto, que nada possa ainda dizer sobre ele…

* Gostaria de agradecer publicamente à José Rodrigues dos Santos e à assessoria de imprensa da Editora Record, pela extrema gentileza e rapidez com que me atenderam.

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