Comentei, meses atrás, en passant, sobre livros que acabei comprando depois de ser atraído pela capa – e vou falar novamente sobre isso, em breve. (Bem, “falar” não é o verbo apropriado, visto que aqui não falo: escrevo. Mas não nos apeguemos a detalhes comezinhos.)
Agora quero fazer um breve comentário a respeito de um livro pelo qual me interessei depois de ter visto, é claro, capa e título, além do nome do autor. Mas que me conquistou mesmo pelo seu início despretensioso e aparentemente inofensivo, diria até bobo. Gostei tanto que o coloquei entre os títulos que gostaria de ganhar de presente, o que acabou acontecendo, por obra e graça de minha noiva. Me refiro ao volume que reúne duas novelas do escritor francês Emmanuel Carrère, publicado há poucos meses pela Objetiva/Alfaguara: “O bigode/ A colônia de férias”. Mais especificamente à novela “O bigode”, que comecei a ler e gostei muito de suas primeiras páginas.
O fato que dá início à obra, como dito linhas acima, é bobo, aparentemente inofensivo: um homem que ostenta um bigode há anos resolve raspá-lo. Mas a forma como isso é escrito, como são descritas as divagações que faz esse homem, é sedutora, e faz com que o leitor não consiga parar de ler, a menos que seja interrompido, ou que não tenha tempo de continuar lendo, ou que não tenha senso de humor, ou…, ou…, ou…
Além disso, o que se lê nas páginas seguintes faz com que a história se torne ainda mais interessante, e o que parece ser uma gracinha ganha ares de suspense.
Dito isso, vamos a um trecho “bobinho” de uma das primeiras páginas de “O bigode”. Acredito que os barbudos – ou aqueles que gostariam, mas não podem (meu caso), de cultivar uma boa barba – vão se identificar com ele.
“Criança, não compreendia por que os adultos machos jamais tiravam um partido cômico de seu sistema capilar, por que, por exemplo, um homem que decidia sacrificar a barba fazia-o em geral de uma assentada, em vez de oferecer à hilaridade dos amigos e conhecidos, ainda que por um ou dois dias, o espetáculo de um dia glabro e outro de barba, com um semibigode ou costeletas em forma de Mickey, pantomimas que bastava uma navalhada para extinguir após se haverem prestado ao divertimento. É curioso como a satisfação com esse tipo de extravagância se atenua com a idade, que ele próprio, em ocasião similar, curvava-se ao costume, não lhe passando pela cabeça ir jantar naquele estado agreste na casa de Serge e Véronique, não obstante velhos amigos que jamais teriam se incomodado com aquilo. Preconceito pequeno-burguês, suspirou, e continuou a acionar a tesoura até que o fundo do copo de bochecho estivesse cheio e o terreno, propício ao trabalho da navalha.”