Manada de elefantes

a Elsimar Pondé

É claro que, se você se sentar diante do computador por mais de seis horas, com intenções de escrever um texto, seja lá de que gênero for, alguma coisa vai sair. Mesmo que apenas ideias ou rascunhos a serem aprimorados.

O problema é que você não tem essas horas disponíveis. Na verdade, você mal tem tido tempo para pensar, ultimamente, em algum assunto sobre o que escrever. Mas você pensa, sim. Pouco, mas pensa.

E tem ideias, as mais variadas: para contos dramáticos, contos bem-humorados, crônicas bobinhas, porém divertidas, romances avassaladores, pequenos grandes poemas inebriados de tristeza – porque poesia, mesmo, tem que ser triste –, críticas relevantíssimas e ensaios nada menos que brilhantes.

Mas, resumindo, você não escreve. Você até tenta, mas sua mente não consegue se concentrar em apenas um assunto, em apenas um gênero. São tantos os pensamentos, tantas as variantes, que você corre o risco de cometer poemas bem-humorados, porém bobinhos, ou crônicas inebriadas de tristeza, mas nada brilhantes.

E então você pensa que talvez seja melhor, em vez de escrever, ler alguma coisa. Quem sabe lendo algo – mas não qualquer coisa, é preciso que seja um clássico: um poeta francês, um ensaísta inglês, um cronista brasileiro, um contista argentino ou um romancista russo (OS RUSSOS! OS RUSSOS!) – suas ideias se organizem melhor e você consiga finalmente dar vazão a uma pequena obra-prima, ou pelo menos um textinho que valha a pena ser lido – ou, enfim, a qualquer coisa que faça sentido e não aborreça ninguém, afinal, você não está em condições de exigir muito.

Mas eis que nem ler você consegue, a bem dizer. Você está muito cansado – esqueci de dizer!: é por isso que suas ideias não param quietas em sua mente; na ânsia de colocá-las para fora, todas elas vêm num fluxo retumbante, incessante, uma manada de elefantes (???) – e a leitura te dá, em vez de inspiração, sono, muito sono.

E então, sem perceber, porque o corpo se rende ao poder de Morpheu, que te reserva um sonho – ou, talvez, um pesadelo – envolvendo uma folha de papel em branco e uma caneta amarrada à sua mão, você dorme.

No dia seguinte, além de não ter escrito nada, você esqueceu todas as grandes, as geniais ideias que teve. E nem do sonho tem lembrança.

Nem do sonho.

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