Making of da resenha de Vidas Novas

É muito difícil eu recusar um trabalho. Ainda mais quando se trata de uma resenha de livro. Recentemente, o Daniel Lopes, do Amálgama, perguntou se eu não poderia resenhar um livro para o blog. Eu quase digo que não, mas aceitei porque, além de gostar do Daniel e do Amálgama, sou casca grossa. Só digo “não” quando realmente não tenho sequer como tentar executar a tarefa. Mesmo com muita coisa a fazer, escrevi a resenha que o Daniel pediu dentro do prazo que ele me deu.

Então, quando a Brasileiros me perguntou se eu poderia resenhar o “Vidas Novas“, de Ingo Schulze, eu não pensei duas vezes: mal li o release encaminhado e já fui logo dizendo sim.

Eu já conhecia o autor. Sabia que um ano antes havia sido publicado um livro dele aqui – “Celular“, de contos, também pela Cosac Naify -, mas não sabia do outro, “Historias simples Da Alemanha Oriental”, também de contos, publicado pela editora Lacerda. Cheguei a reservar “Celular” para mim, na livraria daqui, mas acabei não comprando. E acabei me arrependendo depois, porque procurei o livro para comprar, depois de saber que iria resenhar “Vidas Novas”, e não o encontrei.

(Uma curiosidade: apesar de “Celular” ter sido publicado aqui em 2008, “Vidas Novas” foi publicado antes dele, na Alemanha.)

Mas enfim. O caso é que aceitei a resenha e o livro nem publicado havia sido. Eu teria de lê-lo no computador. Quando abri o PDF, vi que o livro tinha 300 e tantas páginas. E pensei “ah, que moleza, leio num tapa”. O negócio é que, quando fui mesmo começar a ler – eu só tinha mesmo aberto o PDF pra ver quantas páginas tinha -, horas depois, percebi que, na verdade, o livro tinha quase 800. O Reader me enganou: realmente eram 300 e tantas “folhas”, mas em cada folha havia duas páginas do livro. “Tudo bem”, pensei, “não vamos nos desesperar. Dividindo a quantidade de páginas pela quantidade de dias que tenho até o deadline, são 70 páginas por dia”. Coloquei a faca nos dentes e fui pra cima do Schulze.

Mas aí aconteceram alguns imprevistos e a
conta acima precisou ser refeita. Ainda mais porque a data da viagem para São Paulo estava chegando. Das duas, uma: ou eu dava um jeito de ler o livro durante a viagem, ou eu teria de conseguir uma extensão do deadline. Mas eu detesto pedir extensão de deadline. Às vezes não tem outra saída e tenho de pedir, mas não gosto de fazer isso.

Então tentei, primeiro, ver se meu celular aceitava PDFs. Procurei aplicativos que permitissem abrir PDFs no aparelho, cheguei a baixar dois, mas não deu certo. Na verdade, se bem me lembro, os programas valiam para outro modelo da LG, não para o meu. Mas como estava meio desesperado, tentei colocar o aplicativo na marra hehe

Pensei então em comprar um tablet da Nokia que eu vinha namorando há algum tempo, mas do qual havia perdido o interesse por conta de ele não servir como telefone. Eu não tinha dinheiro para comprá-lo, iria gastar durante a viagem, mas não tinha mais como desistir da resenha – além do mais, como eu disse, sou casca grossa. Eu não iria desistir da resenha.

Como diz uma letra do Renato Russo – acho -, quem espera sempre alcança (eu prefiro a minha versão dela, “quem espera nada alcança”, mas tudo bem). O fato é que, dias depois, milagrosamente o monitor do PC do meu irmão queimou, foi pro espaço, e imediatamente pensei: “ele pode ficar com o meu monitor, eu compro um notebook, levo pra Sampa e posso ler o livro durante a viagem. Rafael, você é um gênio!”. A coisa não foi tão simples assim, mas acabou acontecendo, e comprei o netbook que agora é meu parceirão de trabalho.

Li o livro na ida, li o livro na pousada – e quase me tranco no banheiro com o netbook, para não incomodar o sono de Cassia; afinal, a luz tinha que ficar acesa, mas ela não me deixou ler no banheiro -, li o livro no metrô – já com ele em papel, depois de pegar meu exemplar na sede da Brasileiros. Na volta, ainda no avião, arquitetei a resenha, e voltando de Salvador pra cá, no carro da empresa de traslado, escrevi o texto, no Moleskine.

Tive um lampejo que, no momento, achei ser o ideal: fazer a resenha em forma de carta, me dirigindo aos leitores da revista. Ia ser assim, mas depois os editores acharam que o formato de carta ficou ingênuo demais – e realmente ficou. Sem contar que toda a coisa da carta me obrigava a deixar de lado informações essenciais sobre o livro. É que eu começava dizendo:

“Há quanto tempo você não recebe ou envia uma carta? Sim, uma escrita à mão, envelopada e enviada pelo correio? Imagino que isso não aconteça há muito tempo. Nesses dias de internet, os e-mails substituíram as missivas, e hoje digitamos apressados mensagens que serão lidas de maneira ainda mais apressada e respondidas de forma ainda mais… “. Aí, no final, eu me despedia, dizendo que ia colocar a carta no correio etc. Ou seja: pelo menos dois parágrafos de blablablá.

Já em casa, refiz o texto inteiro, com um cuidado danado (detalhe: antes de tudo isso, até o Marcelo Backes, tradutor do livro, eu consultei, por email), de modo que não ficasse um texto com muitos detalhes, mas que também não ficasse muito preso ao aspecto histórico dele; ou seja, que abordasse também, e de forma equivalente, a questão inventiva – ou, melhor dizendo, literária – da obra. Tentei balancear isso porque o livro é tão importante em relação a seu valor histórico, por retratar um período tão sombrio da Alemanha, quanto em relação a seu valor ficcional e sua forma, por nos apresentar um personagem tão complexo como é o protagonista, num formato “antigo” e hoje tão pouco utilizado, que é o das cartas. A versão final da resenha está lá, na Brasileiros deste mês, ocupando duas páginas da revista.

“Vidas Novas” é mesmo um livro diferenciado. Tanto que até a leitura dele – e o desenvolver de uma resenha sobre ele, no meu caso – rende um texto. Como digo na resenha, já há quem o considere um clássico, uma obra-prima. Estou com eles e não abro.

P.S.: Esta capa listradinha na verdade não é a capa do livro, mas sim a sobrecapa. A capa é cor de abóbora, lindíssima.

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