Livros, livrarias, memórias

Livraria Cultura do Conjunto Nacional (SP)

É com tristeza que leio as notícias sobre a grave crise em que se encontram algumas livrarias norte-americanas, por conta da queda nas vendas de livros de papel – ou do aumento nas vendas de livros digitais; ou as duas coisas ao mesmo tempo. Nessas horas, não há como não lembrar da lendária Shakespeare and Company, livraria fundada em 1919 pela norte-americana Sylvia Beach, em Paris.

A Shakespeare and Co. ficou famosa por ser ponto de encontro de diversos escritores que, hoje, são considerados canônicos, como James Joyce, Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, entre outros.

E é justamente essa característica, a de ser um ponto de encontros, uma das coisas que mais admiro e gosto nas livrarias.

Para mim, uma livraria não é apenas um lugar onde se compra ou “namora” livros. Assim como um livro não é apenas “fonte de conhecimento”. Há muitas outras coisas em jogo.

Foi em uma livraria em São Paulo que encontramos, totalmente por acaso, uma professora muito querida de Cassia, que também estava de férias na cidade. Foi nessa mesma livraria, e nesse mesmo dia, aliás, que conhecemos pessoalmente o jornalista e escritor Humberto Werneck. Dois acontecimentos que ficarão marcados para sempre em nossas memórias.

Quanto aos livros físicos, que muitos – aqueles sedentos por tecnologia – menosprezam, costumo dizer que cada livro meu tem uma história. E se, por algum acaso, algum deles não tiver, eu acabo inventando.

Um exemplo: “Livro dos homens”, brilhante volume de contos de Ronaldo Correia de Brito. Comprei esse livro no lançamento do também excepcional e também de contos “Dizer adeus”, de Mayrant Gallo, que aconteceu justamente em uma livraria – onde mais? – em Salvador.

Primeiro, fui atraído pela cor da lombada. Depois, pelo título. Tirei o livro da estante e o levei até Mayrant, para saber se ele conhecia a obra ou o autor. Ele me recomendou a aquisição – e foi o que fiz. Tempos depois, acabei entrevistando o Ronaldo e resenhando o livro.

E quantas pessoas interessantes já conheci em livrarias – ou por causa de livros? Como eu conseguiria os autógrafos de Will Self e Jim Dodge numa tela? (Especialmente o de Dodge, dedicado a mim e a Cassia: “Fly!”.) Quantos fatos curiosos já presenciei ou aconteceram comigo enquanto eu estava dentro de uma?

É mesmo uma pena ser testemunha da falência e da crise de lugares que deveriam estar em expansão, em crescimento.

Aqui, no Brasil, estamos vivendo um momento muito bom, por um lado, que é o crescimento das grandes redes – e até mesmo das médias. Por outro lado, onde as grandes empresas “aportam”, geralmente as livrarias “pequenas” são obrigadas a fechar suas portas. Foi o que aconteceu em Salvador, tempos atrás, quando uma das livrarias mais tradicionais da cidade, a Civilização Brasileira, deixou de existir.

Quando eu era garoto e ia, com meus pais, à capital, sempre passava pela Civilização. Era lá que eu “namorava”, e, às vezes, quando meus pais podiam, comprava livros de RPG e revistas em quadrinhos. A Civilização Brasileira faz parte das minhas memórias, e é com carinho que me lembro dela.

É desalentador saber que cada vez mais há menos pessoas que se importam com esses “velhos hábitos”. Só resta esperar que essa crise seja momentânea, e que tanto as livrarias – de tijolo – e os livros – de papel – voltem a ocupar o lugar de destaque que merecem; que as pessoas voltem a ter mais respeito pelas livrarias – de tijolo – e pelos livros – de papel.

Algo que venho fazendo é dar preferência à livraria de minha cidade em vez de comprar livros pela internet – coisa que ainda faço, lógico, mas apenas quando não há outra saída ou quando o preço realmente é muito desigual.

E antes que alguém diga que faço isso apenas porque trabalho nela, repito o que disse acima, acrescentando que já fazia isso antes mesmo de começar a trabalhar lá: não é somente por isso. Há muitas outras coisas em jogo.

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Leia também: “Edição extraordinária”, de Luiz Schwarcz.

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