O choque o colhe pela direita, duro, surpreendente e doloroso, como uma faísca elétrica, e levanta seu corpo da bicicleta. Relaxe!, ele diz a si mesmo enquanto voa pelo ar (voa pelo ar tão cheio de graça!) e de fato sente os membros obedientemente moles. Como um gato, diz a si mesmo: role, depois se ponha de pé, pronto para o que vier em seguida. A palavra pouco usual limber ou limbre também está à vista.Mas não é bem assim que as coisas acontecem. Seja porque suas pernas desobedecem, seja porque de momento está tonto (ouve, mais do que sente, o impacto do crânio no asfalto, distante, oco, como um golpe de marreta), ele absolutamente não se levanta; ao contrário, desliza metro após metro, sem parar, até se sentir quase embalado pelo deslizar.
Fica esticado no chão, em paz. É uma manhã gloriosa. O toque do sol é suave. Há coisas piores do que largar o corpo, esperar a força voltar. Na verdade, pode haver coisas piores do que tirar uma soneca rápida. Fecha os olhos; o mundo oscila debaixo dele, roda; ele apaga.
Por um momento, breve, volta a si. O corpo que voou tão leve no ar ficou pesado, tão pesado que não consegue levantar nem um dedo. E alguém está parado em cima dele, tirando-lhe o ar, um jovem de cabelo arrepiado e espinhas na testa. “Minha bicicleta”, ele diz ao rapaz, enunciando a palavra difícil sílaba por sílaba. Quer perguntar o que aconteceu com sua bicicleta, se cuidaram dela, já que, como é bem sabido, uma bicicleta pode desaparecer num relâmpago; mas antes de chegarem essas palavras ele apaga de novo.
Primeiro capítulo de “Homem lento“, do sul-africano J.M. Coetzee, que chegou aqui hoje. Genial.
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