É do conhecimento de todos que transitam pelo meio literário que Rubem Fonseca, um dos maiores escritores do nosso país, não concede entrevistas há anos. Recluso, o autor também raramente permite que seja fotografado.
Portanto, não é necessário dizer o quão difícil foi conseguir a entrevista com Rubem Fonseca que você lerá a seguir. Os contatos para a realização dela começaram no dia 30 de abril, assim que eu soube do rompimento entre Fonseca e a Companhia das Letras. Obviamente, não posso revelar como consegui chegar até o autor, mas o fato é que consegui entrevistá-lo no dia 21 de maio, em um local escolhido por ele, no Rio de Janeiro.
Desnecessário dizer que esta entrevista me custou muito. Tempo, dinheiro e paciência. Primeiro, com os telefonemas que precisaram ser feitos para Rio de Janeiro e São Paulo, a fim de conversar com pessoas que pudessem convencer o autor a conceder esta entrevista. Depois, a viagem para o Rio de Janeiro e todos os gastos referentes a ela. Por fim, a espera paciente e angustiante pelo retorno, felizmente positivo, do autor. Que me atendeu com a maior boa vontade, aliás.
O assunto da entrevista foi, claro, o rompimento dele com a editora Companhia das Letras. Mas não apenas isso, óbvio.
Estão circulando muitos boatos sobre sua saída da Companhia das Letras. Um deles é o de que o senhor estaria aborrecido com uma possível tradução do livro “La literatura nazi en America”, de Roberto Bolaño, que cita o senhor em um trecho (“Um dia pensou, enquanto esperava com o carro em um descampado, que não seria má ideia sequestrar e fazer alguma coisa a Fonseca. Contou para os seus chefes e estes o ouviram. Mas a ideia não se concretizou. Incluir Fonseca no coração de um verdadeiro romance nublou e iluminou os sonhos de Couto.”). Essa hipótese tem algum fundamento?
Na verdade, eu nem sei quem é Roberto Bolaño. Quem é ele, Rafael?
O senhor me desculpe, mas eu nunca li nada dele. Até tenho um livro, mas não li ainda. Sei apenas que se trata de um autor bastante festejado entre literatos e mesmo entre escritores consagrados latino-americanos.
Hum… Enfim. Isso não passa de um boato. Sequer conheço esse tal Bolaño. Mas se é tão festejado assim, vou comprar algo dele para ler. Você me indica algum?
Olha, seu Rubem, falam muito bem de um romance chamado “Os detetives selvagens”, mas, como lhe disse, não conheço. Eu tenho um chamado “A pista de gelo”, que é bem curtinho. O outro é enorme.
Obrigado. Vou encomendar esse que você tem. Assim não perco tanto tempo lendo. Ah, e por favor, pare de me chamar de senhor. Sem essas formalidades, tudo bem?
Tudo bem, seu… digo, Rubem. Tudo bem, Rubem. Bom, se sua saída da editora não foi por causa dessa história do Bolaño, foi por quê, afinal?
Olha, Rafael, vou ser sincero com você. Nem eu mesmo sei o motivo. Apenas acordei um dia, olhei para a prateleira na qual guardo os meus livros, olhei para uma outra prateleira, na qual guardo os livros do Nelson, e decidi sair. Você já viu os livros do Nelson lançados pela Agir? Aliás, você é um Rodrigues! Você é parente do Nelson?
Não, não, quem dera eu ser parente do Nelson. Mas, sim, eu tenho alguns livros dele lançados pela Agir, são lindos mesmo.
Então, eu quero que meus livros sejam assim, também. Bonitos, encorpados, com aquele negócio meio áspero nas capas… Poxa, são edições muito bonitas, mesmo. Não que as da Companhia das Letras sejam ruins ou feias, muito pelo contrário. Mas estão muito dentro do padrão. Além disso, há outros motivos, os quais não gostaria de abordar aqui.
O senhor, digo, você poderia dizer por quê?
Rafael, eu resolvi atender seu pedido porque me falaram muito bem de você. Mas uma das coisas que me disseram é que você é um romântico, um deslumbrado, um ingênuo. Me desculpe dizer isso assim, no meio da entrevista, eu só ia lhe falar isso mais tarde. A questão é que há, entre editores e escritores, mais coisas do que sonha a nossa vã filosofia…
É, posso até imaginar quem lhe disse tais coisas a meu respeito, mas acredite: estou aprendendo. Aos poucos, mas estou.
Espero mesmo que sim. Porque senão… já era. Bom, você sabe. Conversaremos sobre isso mais tarde.
Tudo bem. Mas, enfim, quer dizer que os motivos que o levaram a sair da Companhia das Letras não vão mesmo ser revelados?
Exato. Não quero mais falar sobre esse assunto. Acho que, para bom entendedor, meia resposta basta.
Vamos mudar de assunto, então. Eu recebi o seu penúltimo livro, “Ela e outras mulheres”, e confesso que não consegui ler mais do que dois contos. Seu último livro, “O romance morreu”, também não me agradou muito, li pouca coisa dele. O senhor desistiu da literatura?
Rafael, ninguém havia me dito coisa parecida antes assim, pessoalmente. Não sei se isso é coragem sua ou se você simplesmente está out of your mind… Mas, tudo bem, vou lhe dizer o que aconteceu. “Ela e outras mulheres” saiu sem orelha, como você mesmo pôde ver. E foi um erro. Aqueles contos, e isso eu vou lhe dizer em primeira mão, foram escritos por mim quando jovem, bem mais jovem que você, por exemplo, e permaneceram inéditos até o dia em que, separando algumas coisas para jogar fora, encontrei-os, completamente cobertos de poeira. Nesse dia, fui premiado com belas recordações de um tempo que, infelizmente (ou felizmente, vai saber), não volta mais. E decidi que eu tinha de publicar aquelas histórias. Inclusive, foi uma atitude muito bonita da Companhia das Letras publicar aquele livro. Mas, realmente, ninguém entendeu que todos os contos têm, pelo menos, o dobro da sua idade, Rafael.
Entendo. Mas e “O romance morreu”?
Bom, este foi um livro que praticamente fui forçado a publicar. Muita gente reclamava de que não conseguia encontrar meus textos no Portal Literal, ou de que era uma droga lê-los no computador, ou de que estavam gastando muito papel imprimindo-os. Foi um livro publicado para aqueles que me acompanham no Portal.
Mas o romance morreu mesmo?
Ah, que é isso, Rafael! Está vendo? Você é mesmo ingênuo. Óbvio que o romance não morreu. O título do livro é uma piada.
E o texto que o senhor escreveu, que inclusive dá título ao livro?
Ora, é o restante da piada! Rafael, estou com um romance para ser publicado ainda este ano, já pela Agir. E estou escrevendo outro. O romance não morreu, nem vai morrer. Outro que disse isso também, e foi muito mal-interpretado, foi o querido Fernando Sabino. Será que as pessoas não conseguem mais entender uma troça? Jesus Cristo! É como essa história do “politicamente correto”. É tão ridículo… Olha minha meia. Ela é afrocolorida? Ora, vá… Isso me irrita, sabe? Ah, e você me chamou de senhor de novo.
Perdão, Rubem.
Ah, tudo bem.
Bom, e os autores contemporâneos? Você os tem acompanhado?
Sim, sim. Tenho lido muita coisa boa, inclusive. O Bernardo Carvalho, por exemplo. Que escritor talentoso! Outro livro do qual gostei muito foi o “Mãos de cavalo”, do Daniel Galera, com quem tive o prazer de conviver quando fomos juntos a Israel. Li também os contos de Ronaldo Correia de Brito, um autor estupendo. Tenho lido outros autores também, mas se eu for falar de todos vamos passar dias aqui.
E os que vivem dizendo ser influenciados por sua obra?
Esses eu li também, mas, francamente, quanta porcaria! Sempre que aparece algum desses “filhos” alguém liga me avisando e acaba me enviando o mais novo livro de um desses autores. Eu leio, tento enxergar alguma coisa da minha obra ali, mas não encontro nada! Quer dizer, até encontro, mas tudo muito solto, sem nexo, gratuito. Nos meus livros nada é gratuito. Minhas histórias são escritas baseadas em coisas que vi e conheço, sei que são exatamente daquele jeito. Mas esses escritores que se dizem influenciados por mim só escrevem desse jeito porque sabem que, ao mencionarem meu nome na orelha do livro, vão garantir alguns leitores.
Não seria porque esses leitores estão carentes do bom e velho Rubem Fonseca?
Pode até ser. E novos livros virão, como lhe disse, porque agora estou com as baterias renovadas. Mas o bom e velho Fonseca quer mesmo é sombra e água fresca.
* Desnecessário dizer que esta “entrevista” não foi feita. Mas poderia ter sido.
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