*(Publicada no último domingo, 26 de setembro de 2010)
BERNARDO MELLO FRANCO
DE SÃO PAULO
Leia os principais trechos da entrevista.
Folha – Como a sra. vê a série de escândalos que marca esta reta final da campanha?
Marina Silva – Tivemos, na história do Brasil, sucessivos casos graves de corrupção e tráfico de influência. Houve a compra de votos para a reeleição, no governo Fernando Henrique Cardoso. Depois o mensalão, no governo Lula.
Sábios são os que aprendem com os erros dos outros, e estúpidos são os que não aprendem nem com os próprios erros. Os partidos que estiveram no poder tiveram a oportunidade de aprender, mas as pessoas sempre são tentadas a se colar nos ganhos e nos acertos. Quando acontecem os erros, aí não é responsabilidade sua.
O PT aprendeu com o caso do mensalão?
Uma parte do PT aprendeu muito. Outra parte parece não ter aprendido. As denúncias que surgiram nos últimos dias revelam isso. Ficam tão focados no que serve para faturar eleitoralmente que não tratam dos problemas.
Você não pode negligenciar os problemas, mesmo que isso renda desconforto político e perda de popularidade. As coisas que precisam ser feitas têm que ser feitas.
O que a incomoda mais?
O que incomoda é que houve uma crise grave em 2005 e agora essa crise se repete de novo. Não foi tomada nenhuma medida para evitar que isso acontecesse de novo na Casa Civil. Em cima da figura do presidente, que precisa ser protegida desse tipo de coisa. Um ministro da Casa Civil [José Dirceu] já tinha caído por causa disso, e o erro se repete novamente.
Os casos são comparáveis?
Um era mensalão e o outro é tráfico de influência. Mas são graves do mesmo jeito. Gravíssimos.
A sra. afirmou que só critica o Bolsa Família quem não sabe o que é passar fome. A oposição passou muitos anos batendo no programa. Ela se distanciou do povo?
Houve falta de sensibilidade para um problema grave, que precisava ser enfrentado. Isso se revela nos discursos, mas também na ausência de políticas consistentes para esses segmentos da sociedade durante muitos anos [no governo tucano].
Agora vejo o candidato José Serra dizendo que vai dobrar o Bolsa Família, dar o décimo-terceiro do Bolsa Família. Pergunto se o partido dele [PSDB] e o DEM, que criticaram tanto o programa, estão fazendo uma revisão, ou se é só em função da eleição.
O eleitor percebe isso?
As pessoas percebem quando você está levantando uma questão como compromisso, e não apenas como promessa. Quando você está reconhecendo um ganho real ou está fazendo uma apologia para faturar.
A sra. ficou sozinha na defesa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso…
As pessoas perguntam por que falo do Plano Real e do FHC, se nem o Serra o defende. Dizem que tira voto. Não falo para ganhar voto, falo porque é justo. Reconhecer ganhos do Real e da política social de Lula é ter um olhar honesto para a História.
Serra foi para o ataque, mas a sra. foi quem cresceu com os escândalos. Por quê?
Porque sou a terceira via que o eleitor está buscando. O eleitor compreendeu que a Dilma e o Serra são muito parecidos, que as alianças que eles têm são mais do mesmo. Há uma repetição quase neurótica do discurso político, sem nada de novo.
O eleitor está cansado de ver isso. Ele quer alguém que olhe para as questões graves e não faça discurso populista para faturar a eleição, dizendo que vai resolver tudo num passe de mágica. Agora as pessoas prometem tudo. A gente tem que respeitar a inteligência do cidadão.
Serra prometeu elevar o salário mínimo a R$ 600 e criar o 13º do Bolsa Família. É disso que a sra. está falando?
Estou falando de ter uma plataforma, em vez de evitar ter um programa e ficar fazendo uma colagem de promessa atrás de promessa. Aí não tem critério. O céu é o limite. “Não subiu o suficiente [nas pesquisas]? Então vou prometer mais, mais e mais”.
Você tem que pensar no limite das contas públicas, na possibilidade de implementar o que está dizendo. Não estou fazendo o discurso fácil. Se ganhar, quero ganhar ganhando, e se perder, quero perder ganhando.
O que é perder ganhando?
É quando você sai do processo maior do que você entrou. E nem precisa ser maior eleitoralmente, em quantidade de votos. Significa que você não vendeu seus princípios. Manteve uma atitude digna, justa, inclusive na relação com os concorrentes.
Quando saí do Ministério do Meio Ambiente, as pessoas disseram: “Poxa, a Marina saiu maior do que entrou”. Naquele momento, parecia que eu tinha perdido a batalha para o Mangabeira [Unger], o [Reinhold] Stephanes, o Ivo Cassol. Aí eu disse: a derrota ou a vitória se mede na História. Eu me sinto vitoriosa hoje, porque o desmatamento segue caindo.
A subida de Dilma a surpreendeu? Imaginava que seria tão difícil enfrentá-la?
Nunca subestimei ninguém. Sempre soube da força que teria o partido [PT], o presidente Lula. Mas a decisão é do cidadão.
Não é impossível vencer uma candidata apoiada por um governo tão popular?
O projeto pode continuar com outro candidato. As pessoas precisam ter segurança disso, e eu passo essa segurança pela minha origem, pela minha trajetória. Se foi possível ao presidente Lula manter os ganhos do Real, porque não será possível a mim manter o Bolsa Família?
O PV está aliado ao PSDB no Rio, e agora seus candidatos ao Senado fazem dobradinha em São Paulo. Hoje, Serra é o mais cotado para ir ao segundo turno. A sra. o apoiaria?
Segundo turno se discute no segundo turno. Sinto que a minha candidatura é o segundo turno viável.
Sua candidatura cresce entre os mais ricos. Teme ser refém de uma moda ecológica?
As pessoas mais simples têm uma identificação natural quando conhecem minhas ideias, minha trajetória.
Há uma dificuldade sim, de estrutura. É uma luta de Davi contra Golias, se comparar as candidaturas. O que me anima é que Davi ganhou a luta com uma pedra, acertando a pedra no lugar certo.