A Associação Nacional de Livrarias (ANL) quer entrar com uma ação antidumping contra lojas que venderem livros com preço muito baixo. Nas palavras da ANL: “contra empresas que vendem livros abaixo do preço de custos oferecidos as livrarias”.
Essa notícia coincidiu com uma promoção que o Submarino fez, colocando à venda mais de uma centena de livros por R$ 9,90, incluindo best-sellers como “Água para elefantes”, de Sara Gruen (que parece ser muito bom e dei de presente a Cássia) e “1808”, de Laurentino Gomes, que comprei para mim. Dava para encontrar também “O pequeno príncipe”, sim, o de Antoine de Saint-Exupéry e “Marilyn Monroe – O mito”, de Bert Stern; o primeiro custa mais de R$ 30,00; o segundo, mais de R$ 40,00, nas livrarias por aí.
Essas promoções que o Submarino, a Saraiva e a Americanas fazem são muitas vezes “promoções relâmpago” e não duram muito tempo. Esta do Submarino já foi e voltou umas duas vezes (inclusive, está lá, agora, mas com menos títulos). Livros já esgotaram, depois repuseram o estoque de alguns, eles já mudaram os que participam da promoção, enfim, é algo sazonal, e não permanente, constante.
Então não vejo motivo para a ANL abrir o bico pra falar nada. Não importa se o Submarino esteja queimando o seu estoque ou se comprou, direto das editoras, os livros a preço de banana. Neste segundo caso, a eventual ação deveria ser movida contra a editora, não contra a loja. Se uma editora resolve, do nada, vender milhares de livros a um custo irrisório, o erro está em quem vende, não em quem compra. (É totalmente diferente de se negociar drogas, por exemplo; neste caso, o erro está dos dois lados. Aliás, dos três, porque o governo não combate esse comércio nem como nem o quanto deveria.)
Nos casos específicos dos quatro livros citados acima, todos já venderam horrores. “1808” foi lançado em 2007. O exemplar que chegou a mim foi impresso em janeiro de 2009, é a sua 15ª reimpressão. Vejamos. Supondo que cada reimpressão seja de 3.000 exemplares – um número ridículo diante do sucesso do livro, mas vamos fazer suposições modestas, para assim termos uma noção dos lucros. O preço de capa dele era de R$ 39,90, sendo que a Planeta aumentou o valor em agosto, se não me engano, para R$ 44,90. Mas, para arredondar, vamos trabalhar com o valor inicial, sendo que vamos diminuir 20% dele. Fica R$ 31,92. Por que este desconto? Porque é o desconto que as livrarias virtuais geralmente dão. Bom, contemos 10 reimpressões de 3.000 exemplares, porque vamos deixar 5 de lambuja. Dá um total de 30 mil livros vendidos a 31,92. Vamos à calculadora do Windows: R$ 957.600,00. Eis o montante. Esse valor não representa o lucro de ninguém, é apenas uma cifra hipotética da venda de 30 mil exemplares de “1808”. Nessa grana aí estão incluídos 10 a 15% das distribuidoras, 20 a 40% das livrarias e a porcentagem restante, 10 a 15% do autor e 30% da editora. Esses 30% equivalem a R$ 287.600,00. Isso cobre com certeza todos os custos editoriais do livro e ainda sobra uma grana boa.
Pra vocês terem uma real noção da coisa, fui ao Google verificar quantos exemplares “1808” vendeu. Até maio de 2008 foram mais de 300 mil exemplares vendidos. Imaginem a conta acima sendo feita com 300 mil exemplares, em vez de 30 mil.
Então, depois de as livrarias encherem o bolso, depois de a Planeta não ter mais onde guardar o dinheiro vindo de “1808”, depois de todo mundo que tem grana ter comprado o livro, que mal há em vendê-lo por R$ 9,90, para caras que, como eu, não podem ficar gastando 40 paus com um livro de História do Brasil (mas querem lê-lo), sendo que um livro de bolso do Machado, que custa menos da metade do preço, é mais importante para a sua formação literária?
Por que a ANL só se incomodou agora, e não no ano passado, quando a Americanas colocou à venda, entre outros livros caros, uma série de obras de Jorge Amado, em edição nova da Companhia das Letras, por preços também baixíssimos (R$ 9,90; R$ 14,90)? Talvez porque os livros do Amado não vendam tanto quanto o “1808” ou o “Água para elefantes” (que, repito, parece ser mesmo bom; a primeira página depois do prólogo, única que li, é excelente; já vale os R$ 9,90).
É certo que o mercado editorial brasileiro não é lá muito regulado; volta e meia aparece alguém dizendo que as editoras vendem mais do que afirmam vender – e isso não pode ser medido rigorosamente, porque não há um controle de tiragem dos livros. Mas querer entrar com uma ação contra uma loja que vende livros baratos soa completamente estúpido num país como o nosso, onde os livros geralmente têm preços salgados e a imensa maioria da população que gosta de ler não ganha lá muito bem. (Daqui a uns tempos eles pensam em proibir a existência de sebos…)
Além do mais, tem muita gente que nem compra pela internet. Prefere mesmo ir à livraria da cidade onde mora e fazer suas aquisições lá. O comércio eletrônico cresceu, e muito, mas as livrarias virtuais não fazem medo ainda às físicas, tanto é que a Nobel continua inaugurando filiais, a Saraiva também etc. É verdade que as pequenas livrarias sofrem com isso. Uma proposta que a ANL faz para tentar dar um fôlego às pequenas lojas físicas é a implantação do preço único dos livros. Isso limitaria a porcentagem de descontos que uma loja pode dar a um título. Um exemplo hipotético: as livrarias – tanto virtuais, quanto físicas – não poderiam vender “1808” por menos de 31,92; ou seja, todas estariam limitadas ao desconto de 20%. É uma ideia que pode dar certo, mas pode trazer problemas, caso não seja bem detalhada e caso não haja, por trás dela, uma medida para que as editoras não superfaturem o preço de custo dos livros.
Livro, no Brasil, é mesmo um tanto caro. Mas, apesar deste texto se ater apenas à questão comercial, o problema do preço dos livros no nosso país não é uma questão meramente comercial. É também política, social e cultural. Se não houver, por parte do governo, medidas sérias e enérgicas para difundir a leitura no país – e isso passa pela melhoria na educação, por reformas estruturais nas bases econômicas e pela promoção de eventos literários maiores e mais frequentes, entre outras coisas -, nunca teremos o tão sonhado país de leitores.
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