De novo, cara? (ou O idiota ataca na farmácia)

De maio a setembro do ano passado trabalhei na livraria que fica no shopping aqui da cidade. Logo nos primeiros meses, apareceu um senhor mal-educado soltando os cachorros em cima de mim e de um outro funcionário, apenas porque, quando ele perguntou se poderíamos abrir um livro, que estava lacrado, para ele, dissemos que geralmente não podemos abrir, mas “iríamos ver”.

Era um dos exemplares da coletânea do Pasquim. Mantínhamos lacrado – e até hoje o pessoal mantém – por duas razões: uma é que o povo daqui é meio grosso mesmo; ignorantes etc., e não sabe nem folhear um livro direito. Como esses livros do Pasquim são caros, é bom preservá-los, porque pra um indivíduo danificar ou sujar o livro com os dedos melados de gordura é daqui prali. Além do mais, pra que folhear um livro desses? Se o cara conhece o Pasquim, compra logo, sem folhear. Se não conhece, bom, paciência, vai procurar tua turma… A outra razão é que, geralmente, quem pede pra abrir os livros não os compra. E aí o trabalho de abrir e depois de lacrar de novo é em vão.

Bom, voltei dizendo que não podia abrir o livro e o cara chiou, reclamou, enfim, fez um carnaval. Como não sou de dar corta a imbecil, abri o livro e deixei com o idiota. Ele viu lá umas páginas e depois abandonou o exemplar na mesa do café. Tremenda falta de educação.

Saí da livraria em setembro e voltei a trabalhar lá, temporariamente, em meados de dezembro, e fiquei por lá até meados de janeiro. Só para dar uma força no natal e cobrir parte das férias de uma pessoa. Quando, no meu último dia por lá, pensava que iria passar ileso desta vez, sem confusões ou estresses com clientes, eis que chega o idiota para me torrar a paciência.

Eu estava atendendo um casal que queria comprar o livro “A pedra do reino”, de Ariano Suassuna, que deu origem à série da Globo e tal. Tive que subir umas duas ou três vezes para atender o casal, porque não estávamos nos entendendo direito. Eles queriam um livro e eu pensava que estavam querendo outro – além do livro com a obra de Suassuna, há mais 1 ou dois títulos ligados a ela, mas também à série. Na segunda ou terceira vez que subi para atender o casal, o idiota estava lá, na prateleira de Cinema, que fica exatamente ao lado da de Teatro, que era onde estavamos o casal e eu.

O idiota estava olhando uns livros e eu já pensava no que poderia acontecer. Eu tinha certeza de que, dentre todos os títulos da seção (ok, não são muitos, mas não são poucos), ele escolheria um que estava lacrado para folhear. Dito e certo. Ele pegou o livro e perguntou por que uma livraria mantinha seus livros lacrados, que aquilo era uma burrice etc. Respondi, calmamente, porque aquele era meu último dia na livraria e nada nem ninguém me tiraria do sério – ou pelo menos eu não demonstraria isso -, que alguns livros já vinham lacrados das editoras e por uma questão de comodidade nossa e segurança do livro, assim os mantínhamos. Além disso, alguns exemplares tinham espécies de encartes que não poderiam ficar soltos etc. Depois de explicar isso, ele aumentou o tom da voz e começou a dar um piti que não entendi muito bem, dizendo que em Salvador não é assim, que aquela deveria ser a única livraria a manter livros lacrados, porque livraria é lugar de folhear livro etc. Confesso a vocês que estava pedindo para ele dizer isso, que “livraria é lugar de folhear livro”.

Porque da outra vez ele disse o mesmo e eu só fui pensar numa boa resposta minutos depois. Desta vez eu não perderia a deixa, que estava em minha mente há meses. Mui tranquilamente eu disse: “olha, lugar de folhear livro é na biblioteca, livraria é lugar de comprar livro”. Entendam: eu folheio livros em livrarias, adoro fazer isso – às vezes, é a única coisa que posso fazer, porque no mais das vezes estou lido e não posso comprar. Mas eu realmente não poderia perder a chance de dizer isso na cara do imbecil.

A cara dele, aliás, ficou vermelha de uma hora pra outra e cheguei a ficar com um pouco de medo. Ele começou a me encher de desaforos, os quais não lembro bem agora, mas acho que iam pela linha do “é por isso que não venho aqui, você está sendo muito mal-educado, me atenda direito” etc. E eu, que estava demorando um pouco para abrir o livro, porque ele parecia ser um tanto frágil, apenas disse: “senhor, aqui está o livro, aberto”. Ele gritava ainda mais, já chamando a atenção de quem estava no térreo. E eu dizia, mais uma vez: “senhor, aqui está o livro, aberto”.

Neste momento, o casal que eu estava atendendo subiu de novo – em algum momento desta odisseia eles desceram para fazer alguma coisa -, e me salvou de levar um tapaço do idiota. Quando desci as escadas, acompanhado do casal, ouvi uma pancada na prateleira – acho que foi o idiota dando nela o soco que não pôde me dar.

Lembrei de tudo isso e resolvi postar aqui porque, hoje pela manhã, fui a uma farmácia aqui perto e, ao entrar, vi o imbecil no caixa. Enquanto eu procurava o corredor de vitamina C, o cara continuava lá. Quando fui me aproximando do caixa (duas moças atendiam, cada uma em uma máquina, uma de costas para a outra), percebi que o idiota discutia com um delas. Eu, claro, fui em direção da outra, que estava sem cliente. O idiota, além de ofender a mulher (ia escrever “garota”, mas ela deve ter seus 30 e poucos anos), ofendeu o rapaz que o atendeu no balcão de medicamentos – vocês conhecem uma farmácia, certo? ou eu preciso desenhar aqui 😛

Daí, quando o idiota saiu, esbravejando contra sabe-se lá o quê, comentei com a moça que me atendia que esse mesmo cara discutiu comigo duas vezes, e que ele deve ser maluco mesmo. Até para tranquilizar a outra moça, porque às vezes, nós, funcionários, quando um cliente começa a falar grosso conosco, podemos pensar que o problema está em nós ou na falha de algum colega nosso. Mas, no caso desse lunático, não. O problema está nele mesmo, em algum lugar muito sujo e distorcido da mente dele.

Sobre ele, tenho curiosidade de saber duas coisas, apenas: o que ele faz (onde trabalha) e por que raios ele é desse jeito. Espero nunca descobrir.

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